São Paulo, quarta-feira, 20 de julho de 1994
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A lei da selva

JANIO DE FREITAS

Já suspensa a ordem de prisão preventiva contra dirigentes e acionistas do supermercado Makro, de Brasília, o assunto prevalece, no entanto, por várias razões. Entre elas, o motivo do pedido de prisão –"aumentos criminosos" de preços–, a reação empresarial e a probabilidade, ainda, de que pedidos idênticos sejam aceitos pela Justiça.
Como preliminar, fique claro que o pedido de prisão não foi iniciativa do governo, cuja equipe econômica é contrária à repressão a aumentos, mesmo os por ela classificados como abusivos. O pedido foi do procurador Antonio Gomes, com base em notas fiscais comprovadoras de que pelo menos 13 produtos foram aumentados pelo Makro, nas últimas semanas antes do real, em até 145%. Aceito pelo juiz Hector Santana, o pedido foi suspenso pelo desembargador Hermegildo Gonçalves, até que seja julgado o mandado de segurança impetrado pelos acusados.
A estranhar, como particularidade deste episódio, é que a ordem de prisão tenha alcançado também acionistas, que não fazem preços, e o gerente do supermercado, que cumpre ordem ou é demitido. Em sentido mais geral, o episódio põe a nu a contradição do governo, que manteve leis e lançou mais leis contra "aumentos abusivos" e, de outra parte, concedeu liberdade à ação dos determinadores de preços.
Além da contradição, as leis contra "aumentos abusivos" são inexequíveis, dada a maneira como estão formuladas. Cada aumento identificado –e haja aumentos identificados– requereria uma investigação. Primeiro, para saber se quem o fixou foi o comerciante, o atacadista ou o produtor. Depois, para saber se teve origem em custo novo e justificável ou não. Por fim, para saber se é "abusivo". Cada caso exigiria um tratamento de natureza policial.
Preços, porém, não devem ser assunto policial. Por seus efeitos sociais e por sua função na economia do país, são da responsabilidade dos gestores econômicos nos governos. Se, naqueles dois papéis, produzem efeitos mais perniciosos do que benéficos, compete à gestão econômica introduzir instrumentos reguladores. Daí, suponho, a advertência escrita pelo professor Bresser Pereira, em artigo na Folha, quando o plano do real estava em elaboração. Dizia ele ser indispensável, para o êxito do plano, alguma forma de controle de preços. Por motivos óbvios então, e hoje ainda mais. Por suas palavras falava não só o economista justamente reputado, mas também a dupla experiência de diretor de supermercado, de ex-ministro da Fazenda e, como tal, de autor do Plano Bresser.
Criado agora o primeiro caso decorrente da contradição, o Makro procura solucioná-lo com uma proposta encaminhada ao ministro Rubens Ricupero: reduz aos valores de maio os preços dos 13 produtos que tiveram "aumento criminoso" e baixa 7% no preço da cesta básica, além de outras promessas. O que fica evidente nesta oferta é que o pedido de prisão não adveio da inconstitucionalidade de uma lei, a Lei Antitruste, como entende a Confederação Nacional da Indústria. Nem do caráter medieval da mesma lei, como sustentou o nunca demais lembrado professor Bresser Pereira, em artigo de anteontem.
Para começar, a lei em que se basearam o pedido e a ordem de prisão não foi a recente Lei Antitruste, mas a chamada do "Colarinho Branco", número 8.137, que é de 91, quando o empresariado em peso apoiava o governo Collor. Depois, se há algo de medieval no episódio, é o confessado abuso de poder e de exploração na prática de preços que, podendo retroagir a dois meses, mostram o quanto escorchantes estavam. E, mais generalizadamente, o que há de medieval é o espírito aqui aplicado ao capitalismo, para fazer dele o "capitalismo selvagem, como estamos cansados de ver todos os dias" –segundo uma frase com que o professor Bresser Pereira contradiz o seu artigo no próprio artigo.
Não fosse esse "capitalismo selvagem" e alimentado pela liberdade que o governo lhe dá para ser "selvagem", não teria havido o pedido de prisão. Mas tão só um plano econômico que incluisse a velha advertência do autorizado professor Bresser Pereira.

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