São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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Prêmio aos caronas

JANIO DE FREITAS

Alguém no governo está devendo pelo menos um milhão de dólares aos cofres públicos. As primeiras informações identificaram esse devedor na pessoa do próprio ministro Rubens Ricupero, ao qual atribuíram o telefonema que fez liberar quatro caminhões de bagagem trazida no avião da seleção e, à falta de mais espaço neste, ainda em outro.
Talvez fosse aceitável um rasgo de entusiasmo à brasileira, que liberasse da fiscalização uma bagagem razoavelmente exagerada dos jogadores heroizados. Mas liberar até geladeira já não cabe no razoável, muito menos sabendo-se que, só com o prêmio de US$ 120 mil, a nenhum dos jogadores pesaria a devida taxa alfandegária. Mas foi um também campeão mundial de futebol que pregou o objetivo de levar vantagem em tudo, não foi? Então, vá lá, passe também a geladeira.
A liberação atribuída ao ministro Ricupero não se limitou, porém, à bagagem dos 22 jogadores. Nem mesmo à de toda a delegação, com 45 integrantes, o que já levaria a indagar: por que os cartolas da CBF devem ser premiados com isenção de impostos alfandegários? E a liberação foi além: pelo que os fiscais da Receita Federal no Galeão verificaram, do avião desembarcaram mais de cem pessoas. Havia, pois, mais caronas do que integrantes da delegação. Todos dispensados do ritual da luz verde ou vermelha, para bagagens aparentemente normais, e da abertura e taxação no caso das anormais.
A ninguém a lei confere o direito de impor à Receita o relaxamento de responsabilidades que resulte em perda substancial para os cofres públicos. E em benefício de um contingente de caronas da CBF. Pelo que indica a legislação, quem acarreta perdas injustificáveis ao Tesouro Nacional é passível, entre outras possíveis penas, da obrigação de suprir as perdas. Pelos cálculos que a visão da bagagem lhe permitiu, o experiente inspetor-chefe da Receita no Galeão, Sylvio Sá Freire, calculou em pelo menos um milhão de dólares os impostos dispensados.
A explicação de que houve o temor da exasperação violenta dos que esperavam a seleção, caso precisassem esperar também pelo exame das bagagens, é insuficiente e não correspondente aos fatos. Repórteres que lá estavam não notaram o menor indício de inquietação dos que esperavam os jogadores. E tudo o que a Receita pretendia era o procedimento comum de armazenar as bagagens para exame posterior, à vista dos interessados. A retenção das bagagens não significaria a retenção dos seus donos.
Alguém no governo está devendo um milhão de dólares aos cofres públicos. Que nunca receberão a dívida.

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