São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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Mehta diz que best seller exige talento

FERNANDO SCALZO
DA REPORTAGEM LOCAL

"O Monge Endinheirado..." é o terceiro livro de Gita Mehta. Em 1979, publicou "Karma Cola", uma crítica aos hippies ocidentais que iam à Índia à procura da "iluminação". Em 89, lançou um romance histórico, "Raj".
Gita Mehta, 51, falou à Folha por telefone de Londres, onde passa parte do ano, que divide ainda entre Nova York e Nova Délhi.

Folha - Seus livros foram publicados na Índia?
Gita Mehta - Os meus três livros foram publicados na Índia e viraram best sellers.
Folha - Você acha que o sucesso vem do fato de lidarem com lendas e mitos locais?
Mehta - Os três livros são diferentes. O primeiro é sobre os hippies. Esse livro todo mundo leu porque era sobre "sexo, drogas e rock'n'roll". O segundo era um romance histórico, sobre a guerra entre o Império britânico e os reinos hindus. Este, acho que as pessoas leram porque era um épico histórico.
Este último livro teve uma resposta extraordinária na Índia. Não porque trata de mitos locais, mas é porque é sobre hindus que vivem fora da cidade. Sobre essa enorme população –80% vivem fora das cidades. Por não ser situado em uma determinada cidade, o livro tem esse sentido da Índia. Mas é verdade que se a história se passasse na Bombay contemporânea, não haveria como eu me referir a esses mitos.
Folha - Seu marido, Sonny Mehta, declarou uma vez que não vê por que deveria publicar um livro que não vende. Como escritora, o que você acha disso? O escritor deve prestar atenção ao mercado?
Mehta - Acho que quando meu marido disse isso, ele estava defendendo livros que deviam ser publicados. Acho que ele queria dizer que não se deve ser esnobe em relação a livros.
Como escritora, eu não me preocupo com o mercado. Acho que a maioria dos escritores escrevem primeiro para eles mesmos. Conheço gente que diz: "Eu vou fazer um milhão de dólares, vou escrever um best seller, qualquer um pode fazer isso". Aí se senta para escrever e não consegue.
Para contar uma história que todo mundo quer ler, da moça da lojinha ao presidente do banco, é preciso ter um grande perfil de contador de histórias. Não é todo mundo que pode fazer isso.
Eu sento para escrever o que tenho vontade. E depois espero que as pessoas tenham vontade de ler o que escrevo. Se estivesse só escrevendo para mim mesma, então era melhor escrever diários.
Mas a arte tem a ver com comunicação e você sempre quer muito que o que você fez vá ser algo de que o leitor vai gostar. Mas eu não tenho leitores claros na minha mente, ou penso que se fizesse isso ou aquilo poderia vender mais. Se eu pensasse assim, não escreveria sobre a Índia.
Folha - Por que você escreve tão raramente?
Mehta - Eu tenho muita admiração pelos escritores que escrevem livros a cada dois anos. Eu levei três semanas para escrever meu primeiro livro e pensei: "Cara, isso é fácil, não sei por que os escritores fazem tanta onda". Mas para escrever meu segundo livro, que era histórico, eu levei nove anos pesquisando.
Este último, levou pouco tempo, mas entre a hora que você o entrega para o editor e a que é publicado, passa bastante tempo também. Mas um livro não é como uma revista, eu acho que você tem que esperar até a hora que ele esteja pronto para ser escrito.
Folha - Você acha que os americanos conseguem vê-la além dos rótulos de "mulher escritora" ou "escritora indiana". Você se vê pega na armadilha do "politicamente correto"?
Mehta - Quando eu estava apresentando meu livro nos EUA, me faziam um monte de perguntas sobre isso. E no ano passado, com o "politicamente correto" tão forte na América, nunca paravam com isso de ser mulher e da Ásia.
O que eu acho é que a imaginação não tem raça, nem sexo. A imaginação abre galáxias e não precisa de passaporte para entrar. Você pode usá-la como leitor ou como escritor. O que está garantido é sua total liberdade. Posso ler escritores chineses ou americanos.
Em geral fico impaciente com essas perguntas, e eles dizem: "Mas você é uma mulher e escreve sobre a Índia". E eu respondo: "É, só que meu narrador é masculino e eu escrevo sobre a Índia porque é a área mais confortável para mim". Todo escritor tem que situar seu livro em determinada geografia, mesmo se estiver escrevendo sobre o Super-Homem, tem que criar o planeta Kripton.
Folha - A língua inglesa herdada pelos indianos é apropriada para as suas histórias?
Mehta - Acho que o melhor presente que os ingleses deram ao mundo foi a sua língua, que se tornou a língua do mundo. Agora, todos nós do mundo em desenvolvimento que estamos escrevendo em inglês, da África, do Caribe, da Índia, ou Cingapura, estamos fazendo dela uma língua diferente.
Enriquecemos a língua, pondo nela a cultura que trazemos de nossos países. Há 150 anos, era a língua que descrevia a Inglaterra, mas hoje serve para o mundo todo.
(FS)

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