São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O melhor da Copa

OTAVIO FRIAS FILHO

Copa do Mundo já estava se tornando sinônimo de um passado radioso que não volta mais e de repente ele voltou. Mas vencer não foi talvez o mais desconcertante. Todo mundo pensava que quando acontecesse de novo seria de forma espetacular, como nas outras vezes, jamais essa conquista empatada e titubeante.
A associação da identidade nacional com o futebol só foi precariamente restaurada. A chegada da delegação foi marcada por implicâncias e ressentimentos que uma autêntica vitória costuma dissolver, e Itamar Franco parece o protótipo do torcedor inseguro, a quem falta entusiasmo e convicção.
Será que a crise da nossa identificação com o futebol não tem raízes também fora do esporte? A qualidade que atribuímos tanto ao futebol como à cultura brasileira –espontaneidade, flexibilidade, improvisação– é reivindicada igualmente por outros povos.
Ao contrário do estereótipo verde-amarelo, fazemos parte de um amplo leque de culturas que se consideram "alegres" em oposição à rigidez do europeu (e do americano). Claro que o traço em comum entre elas não é a alegria, mas o subdesenvolvimento.
Como não sucumbiram completamente à disciplina capitalista, essas culturas retêm o sentimento em parte ilusório, em parte verdadeiro, de que nelas a vida pessoal é mais livre e suas manifestações artísticas ou esportivas são mais originais.
A expansão do capitalismo, que voltou a ocorrer com grande impulso em escala internacional, coloca essas culturas contra a parede. Muitas delas reagem agarrando-se a alguma fantasia nacionalista e xenófoba; outras resistem a partir de sua tradição religiosa.
Tanto no caso do neofascismo como do islamismo, que parecem no momento as duas únicas forças organizadas contra o que se poderia chamar de ideologia do Atlântico Norte, o apelo irracional é feito em direção a um passado imaginário, supostamente dourado.
O passado brasileiro é tão obviamente escasso de proezas e cheio de fracassos que não surpreende a insistência com que nos voltamos para o futebol como tábua de salvação da auto-estima nacional, nem a nossa avareza em dividi-lo com outros.
Ficamos atônitos, quase indignados porque os EUA não pararam para ver a Copa. Naquele país, que ainda preserva uma forte identidade própria, a indiferenciação e a variedade são porém tão grandes que praticamente nenhum evento é capaz de reunir todas as atenções. Tudo se perde na imensidão de imagens que circulam no ar.
Tomara que a Copa dos EUA nos dê o que as derrotas acachapantes e as vitórias estrondosas não foram capazes: a liberdade para depositar tanto o futuro como o passado num recipiente menos estreito –e menos imponderável– que o futebol.

Texto Anterior: Igualando os diferentes
Próximo Texto: Os heróis viraram sonegadores
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.