São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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Os heróis viraram sonegadores

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Com a cumplicidade do Palácio do Planalto, Ministério da Fazenda e Receita Federal, a seleção brasileira foi beneficiada por uma mamata que, segundo se estimava ontem, pode custar pelo menos R$ 1 milhão aos cofres públicos. É uma história exemplar sobre como um governo perdeu a chance de dar um bom exemplo de cidadania.
Quando chegou ao Rio, a gigantesca bagagem da seleção brasileira iria passar pela alfândega. Eram tantas as malas e pacotes que a saída do avião dos Estados Unidos atrasou duas horas, devido ao excesso de peso.
Os jogadores e equipe técnica não gostaram. Imaginaram que, por serem heróis nacionais, estavam acima da lei, na velha tradição do jeitinho e impunidade.
Segundo informações vazadas ontem, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, ameaçou devolver as medalhas oferecidas pelo presidente Itamar Franco ao jogadores caso as bagagens não fossem liberadas. Foram disparados telefonemas ao Palácio do Planalto, chegando ao Ministério da Fazenda.
Desfecho previsível: sem nenhum pagamento, tudo foi liberado. E, segundo se suspeita, com a conivência do próprio ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, autor da ordem –ele nega. O fato é que o governo perdeu extraordinária chance de dar ao brasileiro uma lição de cidadania.
Uma lição baseada em algo simples e vital, mas, aqui, pouco seguido: a lei é igual para todos. Até para os "heróis" do futebol que, desde ontem, viraram também sonegadores. Aliás, a lição colocaria na prática o que os jogadores estavam alardeando depois da conquista do tetra. Diziam que a vitória seria uma alavanca para mudar o Brasil.
Seria possível ver, de fato, mudança caso gente tão importante não recebesse um tratamento privilegiado, engrossando a coleção de mamatas nacionais.
PS – Discussões éticas à parte, há um fato: alguém tem de pagar. Duas opções: 1) Cobra-se, agora, o imposto sonegado dos jogadores; 2) exige-se das autoridades ressarcimento dos danos aos cofres públicos através de ações na Justiça. E, aí, investiga-se toda a rede de cumplicidade que foi do mais humilde funcionário da alfândega, no Rio, até os esquemas que passaram pelo Planalto e Ministério da Fazenda.

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