São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1994
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A síndrome Bisol

TARSO GENRO

A mesma parte da grande imprensa que elegeu Collor e que pauta sua política por promover aqueles que sempre acordaram com seus interesses políticos colocou, de repente, a "ética" como o instrumento de superação de todos os problemas sociais e econômicos do país.
Surpresos com a desfaçatez da sua criatura –Fernando Collor, o moderno–, os principais formadores de opinião da grande mídia jogam nova cartada. Para isso lhe é preciso destruir a esperança na chapa Lula-Bisol.
Jamais apontaram –estes senhores– os verdadeiros motivos que geraram o atual estado de coisas no Brasil, a saber, o fato de que temos uma classe empresarial –na sua parte hegemônica– incapaz de aceitar a redução dos seus privilégios para viabilizar um processo mais humano de distribuição da renda.
Nunca disseram, também, que esse egoísmo histórico, dos oligarcas de um país que já está situado depois do sexagésimo lugar em distribuição de renda no mundo, é um dos alicerces da corrupção.
Face à naturalidade com que uma boa parte dos políticos tradicionais sempre usou o Estado, legal e ilegalmente a seu favor, Collor só foi derrubado pelo "excesso" e pelo "abuso", e não pela violação de normativas éticas que jamais foram respeitadas pelos segmentos que dominavam e dominam o Estado brasileiro.
O PT, ao longo da luta pelo impedimento de Collor, não teve nenhum dos seus parlamentares envolvidos em irregularidades ou ilegalidades. Por isso, hoje, esta imprensa precisa forjar que o vice de Lula é mesmo igual aos políticos tradicionais, que os atos de todos têm a mesma dimensão e que, afinal, a conduta aética é uma característica inequívoca da "classe política".
Não há esperança de mudança. A esperança promovida no yuppie endeusado pela mídia é sucedida pela desesperança do "todos são iguais".
A corrupção é –na verdade– uma das questões importantes, não do Estado brasileiro, mas de qualquer Estado em qualquer época. O grau, maior ou menor, de penetração de hábitos corruptos no tecido sociopolítico depende –esta imprensa jamais disse– principalmente do grau de sanidade ou decomposição das suas elites dirigentes, que aqui no país não só concentram cada vez mais riqueza, mas também cada vez maior poder manipulatório da consciência de milhões.
Esses fatos –é claro– jamais foram abordados por essa imprensa e Collor –símbolo de tudo que ela mesma defendeu na disputa contra Lula em 88– passou a ser considerado um político "atípico" da nossa plêiade neoliberal.
Eis uma visão deformada e oportunista, pois Collor é a síntese do projeto neoliberal que tem na corrupção e na privatização do Estado os seus pilares essenciais. Collor era e é, isto sim, o que as nossas classes dominantes tiveram capacidade de apresentar ao país até os dias de hoje, apoiadas pela grande imprensa que defende as suas propostas mais caras.
Recente pesquisa publicada pela empresa Deadline mostra que Lula teve 58% de citações contrárias a sua candidatura nos grandes jornais, entre 1º e 7 de julho, contra 14% de citações favoráveis.
FHC obteve 38,5% de citações contrárias, mas 53% de citações favoráveis. Esta pesquisa revela mais sobre o que ocorre no país do que alentados estudos sociológicos.
Tal "isenção" mostra bem o que está em disputa e desmascara a "pureza" desta grande imprensa na defesa dos seus preferidos: o herdeiro e aliado de Fiuza, Robertão e ACM é o favorito dos cruzados da ética. Dos mesmos que vêem em Bisol um novo símbolo da corrupção.
É claro que FHC não é um corrupto, nem Bisol, mas o que interessa é que o primeiro mantém o cinto de segurança da relação das velhas elites com o Estado e o segundo libera o Estado dos grupos que o utilizam, até hoje, para reproduzir os seus interesses.
Ao aceitar o "macarthismo" moralista que a grande imprensa promoveu a elemento central da disputa política, nosso partido cedeu a uma política fácil: obscureceu a sua crítica da natureza do Estado atual, reduziu a diferença de projetos (entre nós e eles) e, indiretamente, chancelou o falso moralismo dos setores que sempre promoveram a corrupção como sistema de governo, já que concedeu que o "mal" do país é a corrupção em abstrato e não as próprias elites que criaram esta cultura que lhes serve.
É, sem dúvida, um duro aprendizado para um partido jovem que acreditou, implicitamente, que a grande imprensa seria generosa consigo só porque exigimos dos nossos quadros políticos transparência e honestidade.
O resultado está aí: a "síndrome Bisol", ou seja, a divulgação deformada de fatos imputados como irregulares sem divulgar as explicações e respostas do senador. A meia informação que equipara Bisol àqueles que ele investigou. As mentiras, inclusive, sobre as suas relações com a Arena, o partido de sustentação da ditadura.
Na verdade, saia ou não Bisol da nossa chapa, outros episódios iguais a este serão gerados, porque a disputa, em essência, não é sobre moralidade ou imoralidade na gestão da coisa pública.
É, em última instância, sobre se os mesmos que sempre monitoraram a corrupção vão ou não continuar nos dirigindo para promover os seus negócios, aumentar a sua riqueza e manipular a ética e a informação. Como sempre fizeram.

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