São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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Rostropovich prova que é gênio do celo

ARTHUR NESTROVSKI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O maior violoncelista do mundo, em plena forma aos 67 anos, está acima de descrição ou juízo. Em seu concerto de quarta-feira, em São Paulo, Mstislav Rostropovich esteve acima, também, da música. Com um repertório quase todo leve e sem maiores pretensões, Rostropovich dá a impressão de um grande músico viajando por prazer, musicalmente sem excesso de bagagem.
Decepciona um pouco, para quem esperava pronunciamentos de sabedoria, mas não há como admirar a juventude e o bom humor musical desse Rostropovich tão descansado e tão seguro de si, exibindo a arte mais impressionante no clima mais despretensioso.
Chamar o violoncelo de um "instrumento" não é exatamente correto, para a grande maioria dos solistas: o instrumento se transforma em fim, quando não em obstáculo. Mas entre os maiores talentos de Rostropovich está a capacidade de fazer desparecer o instrumento como fonte de dificuldade.
Tudo parece fácil e tudo é feito com uma simplicidade tão refinada que pode parecer simplória. Musicalmente, também, vale o mesmo. Rostropovich é um músico extremamente cordial com a música, em ambos os sentidos da palavra: delicado e atencioso, e tocando "do coração".
O programa, a rigor, só incluiu duas peças: a sonata de Strauss, escrita quando ele ainda não se inventara plenamente a si mesmo como compositor, e a de Shostakovich, superestimada na falta de boas obras modernas para o "cello", mas mesmo assim uma música encorpada. Nas variações de Beethoven sobre um tema da "Flauta Mágica", a parte do leão ficou com o pianista Lambert Orkis.
O resto, foram só "lollipops": o Adagio de Marcello, em versão romântica, lembrando Glazunov; um Adagio e Rondo de Weber, que esse gênio não precisava necessariamente ter ofertado ao mundo, mas é uma ocasião para proezas na primeira corda; e "Le Grand Tango", onde Piazzolla imita Piazzolla em tons de peça de exibição.
Tudo somado, o grande músico ficou devendo um pouco de grande música. Ou quase, porque a Sarabanda em ré menor de Bach, no bis, única peça para violoncelo solo interpretada por Rostropovich, já valeria, por sí, o concerto inteiro. Com a familiaridade de uma vida estudando as suites de Bach e a concentração musical proporcional à qualidade da música, o violoncelo aqui soou como todo violoncelo gostaria de soar quando crescer.

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