São Paulo, sexta-feira, 22 de julho de 1994
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O leão ferido

Ao longo de décadas, a imagem do servidor público em geral e da Receita Federal em particular foi sendo sistematicamente maculada pela ineficiência, pela corrupção, pelo descaso e pela incompetência de muitos de seus quadros.
Por tudo isso, é um enorme retrocesso o fato de o governo federal ter aceito o pedido de demissão formulado ontem por Osiris de Azevedo Lopes Filho, secretário da Receita Federal desde maio de 93.
Retrocesso primeiro porque Osiris conseguiu, nesse pouco mais de um ano de gestão, reverter a imagem negativa que impregnara a Receita Federal. Pode-se acusar Osiris de ter sido por vezes atrabiliário, de ter em alguns momentos recorrido ao terrorismo fiscal em vez de se ater ao espírito e à letra da legislação tributária. Mas não há notícia de uma só acusação significativa de imoralidade ou corrupção na Receita sob a administração Osiris.
Quanto à sua eficiência, os números são eloquentes. Só no mês de março passado, a arrecadação atingiu o equivalente a US$ 4,59 bilhões, exatamente um terço a mais do que em idêntico mês do ano anterior, vésperas da posse de Osiris.
Mas o maior retrocesso vem do fato de que a demissão de Osiris não ocorre por culpa de seus defeitos, mas justamente por seus méritos. O secretário sentiu-se, com inteira razão, desmoralizado pelas "ordens superiores" para que as 17 toneladas de bagagem da seleção brasileira de futebol não fossem objeto na alfândega da mesma vistoria que todo cidadão deve enfrentar.
É verdade que o secretário da Receita se envolveu em vários atritos com outras áreas do governo, mas o que fica é sempre a última imagem. E no caso de Osiris a gota d'água foi sua oposição ao privilégio concedido a jogadores, dirigentes da CBF e convidados.
Seus superiores, em vez de dar respaldo não a ele em si, mas ao princípio de que todos são iguais perante a lei, mesmo "heróis populares" como os tetracampeões, preferiram sacramentar o descaso para com o dinheiro público.
A lição maior do episódio é a de deixar patente que permanece viva e poderosa uma deplorável cultura, no setor público, que torna difícil, senão impossível, que o dever do funcionário seja cumprido com isenção e rigor.

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