São Paulo, sábado, 23 de julho de 1994
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Entre dois riscos

A questão do aumento do funcionalismo federal, civil e militar, começa a ganhar contornos de uma crise entre setores do próprio governo, além de ameaça potencial a um ponto essencial do plano econômico, o equilíbrio orçamentário.
Até meados da semana, havia um princípio de acordo capaz de satisfazer em parte a demanda por aumento, já apontada como justa por esta Folha, sem, no entanto, provocar despesas adicionais que não pudessem ser cobertas por um esforço extra de captação de recursos.
Em números: calculava-se, no governo, que a venda de estoques de café e de participações acionárias da União em determinadas empresas permitiria arrecadar algo em torno de US$ 700 milhões. Essa verba seria em tese suficiente para cobrir um razoável reajuste salarial.
O próprio presidente da República definira com precisão, na semana passada, os parâmetros de negociação: o governo deveria atender o que fosse possível das reivindicações, mas não poderia chegar a um ponto que comprometesse o programa de estabilização.
De anteontem para ontem, no entanto, o impasse no próprio governo reapareceu entre outros motivos porque há divergências em torno da disponibilidade ou não de recursos para se pagar o reajuste.
Os ministros que defendem um aumento maior apóiam-se na dotação orçamentária, ou seja, na previsão de receitas e despesas do governo. Vista por esse ângulo, a disponibilidade existe, o que é admitido pela Fazenda. Mas a equipe econômica alega que a previsão não se cumpriu e a realidade do caixa mostra que não existem recursos suficientes.
O que parece uma questão microscópica tem, no entanto, um lado político de grande risco potencial. O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, já deixou claro que não pretende ser o gerente do fracasso do plano. É uma ameaça pouco velada de demitir-se na hipótese de o aumento superar os limites que a Fazenda considera aceitáveis.
Na outra ponta, a pressão do funcionalismo, em especial dos ministros militares, parece ter feito com que o presidente Itamar Franco se incline por atendê-la, mesmo correndo o risco de superar os limites desejados pela Fazenda.
É evidente que a questão do funcionalismo só poderá ser de fato equacionada no contexto de uma ampla redefinição do papel do Estado. Ocorre que essa é uma tarefa que só o futuro governo poderá encarar. O atual tem que tomar uma decisão rápida, que impõe uma escolha entre um de dois males: ou descontentar ainda mais o funcionalismo, em especial o setor militar, o que é sempre um complicador político, ou criar uma dificuldade nova para um plano econômico que está dando apenas seus primeiros passos.

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