São Paulo, sábado, 23 de julho de 1994
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Aniversário de crianças

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO – Aquela manhã, há um ano, veio como um soco no estômago da cidade. Finalmente chegava-se ao fundo do poço, ao limite em que não se imaginava chegar.
Espalhados, sete corpos de crianças jaziam crivados por tiros. Cena de guerra, onde inocentes foram atingidos por balas destinadas ao inimigo. E os inocentes eram os inimigos.
Neguinho, Careca, Caolhinho, Ruço, Marcos, Gambazinho e Paulo Roberto Oliveira, o único reconhecido por familiares no dia da chacina da Candelária.
O Brasil não estava em guerra, mas o mundo todo saberia que aqui há atrocidades semelhantes.
Em 93, cinco crianças foram assassinadas por dia no país, média cinco vezes superior a de crianças mortas no genocídio da Bósnia.
A chacina foi episódio de assassinato coletivo na ação de extermínio que mata milhares de pessoas pela miséria e seus subprodutos.
O depoimento de sobreviventes descreveu a ação de homens encapuzados, outros não, que chegaram atirando enquanto os garotos dormiam sob a marquise na praça.
Quatro homens estão presos esperando julgamento, acusados de participação no crime, mas outros continuam soltos e anônimos.
Na época, no jogo de empurra dos governantes, descobriu-se que a cidade do Rio tem mais de 5.000 vagas ociosas nas instituições oficiais para abrigo de crianças.
As estatísticas mais recentes e responsáveis apontavam menos de 1.000 crianças abandonadas nas ruas. Um número que colocava em descrédito grupos não-governamentais que alardeavam a existência de milhões de crianças abandonadas no país.
Passado um ano, governamentais, não-governamentais e políticos em campanha preparam atos de protesto contra a violência às crianças e contra a não-elucidação total da chacina.
A favor das crianças, poucos fizeram alguma coisa. Do grupo que habitava a praça, cerca de 30 garotos ainda continuam a morar nas ruas. Talvez sejam convidados para as manifestações de um ano da chacina.

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