São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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No Rio, 'extrema-direita' decide fazer'cruzada cívica'

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

No Rio, 'extrema-direita' decide fazer 'cruzada cívica'
General Newton Cruz disputa o governo e professor Boaventura o Senado
Depreciado, confinado à esfera do anedótico e praticamente banido da sucessão presidencial deste ano, o discurso político abertamente conservador, a que a ciência social empresta o rótulo de "extrema direita", tem na candidatura do general Newton Cruz ao governo do Rio de Janeiro sua expressão mais eloquente.
Concorrendo pela primeira vez a um cargo eletivo pelo PSD, Cruz, 69, está coligado com o PPR fluminense, que tem na figura do seu candidato ao Senado, o ex-professor da Escola Superior de Guerra (ESG) Jorge Boaventura, 73, outro novato das urnas, uma espécie de ideólogo da chapa.
Definindo-se como um "pensador cristão", Boaventura foi lançado candidato pelas seitas evangélicas, que tem na Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, sua maior força.
A fé e o voto
A atual bancada evangélica conta com 28 parlamentares (24 deputados e 4 senadores). Os evangélicos, que hoje avaliam ser cerca de 25 milhões no país, esperam em 3 de outubro dobrar o número de representantes no Congresso.
Em sintonia com isso, Boaventura diz que sua candidatura tem o objetivo de "aproximar as diversas denominações evangélicas, o que já está sendo feito através da criação do Conselho Nacional dos Pastores Evangélicos".
Contando com esses votos de motivação religiosa, Newton Cruz age em outra frente. A peça de resistência de sua candidatura é a forma estridente com que anuncia a "eliminação das quadrilhas organizadas" e o combate ao "caos social" em que estaria hoje mergulhado o Estado do Rio.
Seu discurso, eminentemente pragmático, encontra eco nas palavras de Boaventura, que, em chave algo metafísica, ataca a mesma idéia de "desagregação" quando diz que "a desordem que reina na sociedade reinou primeiro no coração e na mente dos homens".
Todo o discurso político do general é pontuado por termos e idéias oriundas da cultura militar. Cruz não aceita, por exemplo, dizer que está em campanha eleitoral. Prefere a expressão "cruzada cívica" para definir suas andanças pelo Estado à cata de votos.
Por onde passa, Cruz promete que, se eleito, vai acabar com o crime organizado "em no máximo três meses". "Se não conseguir fazer isso, hipótese que não aceito, serei o maior incompetente do mundo e não me restará outra alternativa senão voltar à vida privada, renunciando ao cargo", diz.
O candidato do PSD defende que o Exército seja convocado por seu governo para "cooperar" no combate ao crime organizado. Segundo ele, isso não fere em nada a Constituição, que prevê entre as atribuições das Forças Armadas a garantia da manutenção da ordem.
"Se eu sei onde estão as quadrilhas, se eu sei quem são seus chefes, se eu sei como elas agem, eu só não acabo com elas se eu for incompetente ou se eu estiver associado a elas. Eu denuncio o atual governador do Rio como sócio das quadrilhas", diz o general.
Os eleitores preferenciais de Cruz, por onde gravita sua candidatura, ele os reconhece nos pequenos comerciantes, nas donas de casa, nos taxistas e outros grupos difusos da classe média urbana, que, juntos, funcionam como uma espécie de "termômetro do medo" que se espalhou pelo Rio.
Segundo a última pesquisa de opinião do Datafolha, feita entre os dias 11 e 12 deste mês, a "cruzada cívica" de Newton Cruz dá a ele 6% das intenções de voto, colocando-o num incômodo quinto lugar.
O general perde para Marcello Alencar (PSDB), com 26%, para Anthony Garotinho (PDT), com 18%, para Jorge Bittar (PT), com 15%, e para Milton Gonçalves (PMDB), com 7%.
Na pesquisa espontânea, no entanto, feita sem o estímulo do cartão com os nomes dos candidatos, Cruz aparece em terceiro lugar. Tem 4% e só fica atrás de Garotinho (9%) e Alencar (8%).
A situação de Baoventura, segundo o Datafolha, é pior. Está em oitavo lugar, com 3% das intenções, muito atrás de Benedita da Silva (PT), com 31%, Nélson Carneiro (PP), com 22%, e Arthur da Távola (PSDB), com 20%.
Santa padroeira
Na última quarta-feira, Cruz recebeu da presidente da Associação das Donas-de-Casa do Rio, Graciette Sant'Anna, uma imagem de Nossa Senhora de Santana, que desde então elegeu como a santa padroeira de sua campanha.
A escolha o colocou em situação delicada com os evangélicos. Estes são proibidos de venerar santos e rejeitam o uso de imagens por considerar que isso contradiz as palavras da Bíblia.
Preocupado com isso, Boaventura tem orientado Cruz no sentido de que evite ser fotografado com a imagem da santa para não espantar os votos evengélicos.
Mas a maior preocupação do candidato ao Senado é explicar e defender a cobrança do dízimo, quantia em dinheiro que os evangélicos ofertam aos pastores durante os cultos de que participam.
É à cobrança do dízimo que os adversários do bispo Edir Macedo atribuem a formação do império que se ergeu em nome da Igreja Universal do Reino de Deus.
Suas palavras em defesa de Edir Macedo são taxativas:
"No Antigo e Novo Testamento recomenda-se como dever fundamental e imprescritível do cristão o pagamento do dízimo. Essas ofertas devem ser significativas de sacrifício por parte de quem as faz, porque não entendem as escrituras que Deus é um indigente necessitando da espórtula (gorjeta) de quem, para não perder nada, por questão de esperteza, se dispõe a colocar o menor valor que tem no bolso na hora da coleta".

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