São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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A doença adulta da infância

OLIVIER MONGIN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE PARIS

Mais uma vez, colegiais e estudantes, essas "crianças que se prolongam", hoje confrontadas com uma grave crise de empregos nos países desenvolvidos, foram às ruas em Paris. Nesse efêmero movimento de rua, que não tem nada a ver com a explosão de 1968 ou com as manifestações de 1986, os propósitos e os comportamentos dos atores oscilaram entre uma delicadeza ingênua e uma violência arrogante.
Essa dupla cara da juventude surpreendeu a muitos. Mas não deveria. Ao oscilar entre essas duas atitudes, ao deslizar da idiotia à agressividade e vice-versa, esses "retornantes" retomavam por conta própria, sem sequer se aperceberem do que faziam, a imagem que a sociedade adulta projeta deles nos cartazes publicitários "desde sua mais tenra infância".
Impossível não observá-lo quando se anda pelas ruas de Paris ou de outras capitais européias. Crianças com ar excessivamente comportado ou de rostos curiosos ocupam os espaços publicitários reservados aos grandes bancos, que não enxergam neles mais do que potenciais clientes.
Essa imagem de criança detentora de conta bancária e já capaz de criar sua própria empresa remete simetricamente à da criança assassinada, violentada, em suma: da criança mártir. Nunca antes se viu nas revistas, ao lado dessas fotos "publicitárias" de crianças de banco, tantas fotos apresentando crianças submetidas à violência dos adultos... crianças espancadas, crianças vítimas de práticas incestuosas, ou ainda crianças escravas sofrendo práticas inconfessáveis em outras paragens que a boa Europa.
São estas as duas imagens de infância que correspondem tão bem aos comportamentos dos grandes adolescentes que não renunciaram à infância, que não obstante procuraram lhes roubar. A criança idealizada ou a criança mártir, o adolescente violento ou ingênuo à força da indiferença.
Não existe outra alternativa senão ser uma figura de emancipação individual, de terminar o mais rapidamente possível como um pequeno banqueiro que consegue colocar bem seu capital, ou ser uma vítima da selvageria das aves de rapina que continuam causando estragos pelo mundo. A criança à mercê de todos os vícios e de todas as virtudes.
Mas entre os dois personagens míticos do cineasta Luc Besson, entre o herói de "Imensidão Azul", que se suicida atirando-se na água, ingerindo a mais fria violência até as profundezas mais íntimas de seu corpo, e Nikita, que pratica o assassinato em série e se compraz numa atitude terrorista, o que acontece realmente? Como é possível passar, sem disparar um tiro, de um comportamento extremo a outro, da indolência à pior violência? Como compreender essas duas máscaras da infância? Nesse encontro dos contrários, não se passa do parecido ao mesmo?
Involuntariamente, o sociólogo não está longe de avalisar essa primeira análise aparentemente sumária. Por um lado, ele observa um tempo da infância que se estende, um prolongamento da infância que tem por consequência nefasta estender desmedidamente o período iniciático da adolescência, desse modo impedindo a criança de sair da infância.
Mais uma vez, um movimento duplo se manifesta aqui: de um lado remetemos ao infinito, em direção ao início da criança, a esse grito primal que se assemelharia à origem da humanidade, tal como Stanley Kubrick a retrata em "2.001, Uma Odisséia no Espaço" –do qual são testemunhas todas as atividades pré-natais destinadas a tomar a seu cargo a criança que ainda não nasceu.
E, de outro lado, a infância se prolonga indefinidamente, a ponto de dar lugar a estes personagens de crianças grandes, grotescas e vacilantes –o cinema europeu está repleto deles– que entretanto asseguram, sem se darem conta disso, o equilíbrio de estruturas familiares cada vez mais nômades e instáveis em decorrência da multiplicação dos divórcios. Mas essa abordagem, ainda demasiado descritiva, merece ser sobreposta por outras interpretações.
Por que a criança é vista cada vez mais como um "adulto em miniatura", para retomar a expressão do psicanalista Pierre Legendre? Para responder essa pergunta não se pode deixar de enfatizar o desenvolvimento estrutural das sociedades democráticas.
No plano antropológico, as discussões relativas à convenção internacional dos direitos da criança demonstrou cabalmente: assistimos a uma progressiva deterioração das fronteiras que separam o mundo adulto do mundo da infância, e esta deterioração não deixa de estar ligada à emancipação do indivíduo democrático.
Tocqueville havia antecipado muito bem esse movimento no longo decorrer do apagar das diferenças e das hierarquias –movimento este, segundo ele, inseparável do regime democrático, que ele distingue do "ancien régime". Prevendo que a distinção da natureza e da cultura daria lugar progressivamente a uma fragilização das fronteiras entre o homem e o animal, entre os sexos masculino e feminino, ele anunciava implicitamente o desaparecimento da distinção hierárquica entre adulto e criança, entre essas duas idades em função das quais a iniciação dos humanos foi organizada por muito tempo.
Mas existe outro aspecto dessa dimensão antropológica que merece ser tomado em consideração. É aquele que corresponde ao tempo da infância, a esse ritmo particular que se distingue daquele do mundo adulto no sentido em que traduz um certo estado de vulnerabilidade.
A infância não é o tempo da minoria em comparação com o tempo da maioria, no sentido em que falava o filósofo Emmanuel Kant em seu opúsculo consagrado aos iluministas. De fato, a criança não se resume à representação da "criança selvagem" tão cara a Truffaut e a Itard: a criança não é aquela que é preciso tirar da floresta, da animalidade.
Seria melhor enxergar na criança, e no tempo da infância que ela se concede, aquilo que tanto faz falta às sociedades contemporâneas: um tempo que respeita o sonho, a indecisão e o arbitrário, próprio da ficção. Por que jamais se parou de escrever histórias para crianças? Por que Walter Benjamin, ao mesmo tempo que se inquietava, no nascer do nazismo, com a possibilidade do desaparecimento da narrativa nas sociedades democráticas, decidiu escrever narrativas para crianças e lê-las no microfone de uma rádio de Berlim?
Simplesmente porque o tempo da infância era, para ele, irredutível, sagrado, um tempo próprio à utopia e à imaginação. Mas esse tempo utópico é simultaneamente marcado por uma grande vulnerabilidade, pela falta de autoconfiança daqueles que, justamente, ainda não são inteiramente adultos.
Pirandello não pára de dizê-lo em seu último trabalho, "Os Gigantes da Montanha". Não resta dúvida sobre isso: a sociedade contemporânea idealiza a criança sobretudo pelo fato de haver perdido sua parte de infância, de não saber mais sonhar, de haver renunciado às utopias e escondido todas suas expressões de vulnerabilidade, todas suas fraquezas.
Por que nos espantarmos com isso? O mundo moderno é um mundo que teme a vulnerabilidade e se recusa a expor suas fraquezas porque tem medo de ser exposto ao sofrimento e não sabe mais o que fazer com a doença física ou psíquica que secreta, mas também com a doença social que exacerba.
Num mundo em que a tecnologia cria ilusões, permitindo que acreditemos que todos e cada um de nós podemos ser poupados das farpas da vida, a infância que oscila entre sonho e pesadelo, entre demônios e mágicos, nos fascina. Mas, por isso mesmo, é tirada do jogo. O paradoxo é visível: a criança é tanto mais celebrada na medida em que é testemunha de uma carência aberta e que configura uma falha profunda.
E será que devemos nos surpreender, então, pelo fato de a criança ser cada vez mais rapidamente transformada em pequeno adulto, à custa de ser como todos os outros, de ser condenada a não envelhecer, a não sentir o tempo da vida passar, a assemelhar-se a um robô que não tem suas fraquezas?
É isso que pressente a criança que se toma por cavaleiro e que se acredita mais forte: ela sabe que é uma fraca que se vinga de suas próprias impotências. Mas o adulto-criança, esse duplo de criança-adulto de hoje, não quer mais enxergar suas feridas, as suas e as dos outros, aquelas de todos em relação a que a sociedade não sabe mais o que fazer. Porque ela não sabe representá-las nem narrá-las.
Colocar a questão da criança é ainda mais crucial na medida em que a criança passa a ser exibida para melhor esconder a doença de infância, que é nossa. Como já foi muitas vezes assinalado, os direitos da criança acompanham fatalmente o desaparecimento do tempo da infância. Não deixa de ser irônico: o que fazer, de fato, dos direitos da criança, se a criança não é mais uma criança e não pode desfrutar desse tempo tão precioso da infância, que não é apenas assunto de crianças mas um "assunto comum". Um bem comum aos adultos e às crianças.
Mas que histórias infantis podem contar as crianças grandes de hoje, senão esse pesadelo de um mundo que esconde suas fraquezas e as transforma em sonho ruim? Aquela que não renunciou à parcela de infância, a criança grande, termina por enxergar apenas aquilo que dói, que foi mal feito. Correndo o risco de fazer do relato da infância um relato em preto-e-branco que conta que se tornou impossível rir e sonhar, um relato de grande tristeza.
Em "La Sentinelle", um filme realizado pelo jovem cineasta francês Arnaud Desplechin, vemos um personagem que, depois de fazer uma viagem de trem, encontra a cabeça de um morto em sua mala. Essa cabeça de defunto, cuja identidade será buscada pelo herói, estudante de medicina, é evidentemente a história de nosso século, com suas monstruosidades e seus horrores. Já não se sabe mostrar outra coisa senão o mal mais extremo, a barbárie mais atroz. A infância corre o risco de desaparecer um pouquinho mais, a cada dia que passa, se não se deixar para ela outra herança senão o pior dos sofrimentos.
Ontem, falava-se dessas "crianças impossíveis" devido a seu comportamento insuportável e às besteiras que cometiam. Hoje, muito mais perigosamente, é a própria infância que se tornou "impossível", porque ela é insuportável para uma sociedade que rejeita sua parcela de sonho, sua ficção, sua relação com o tempo, a memória de sua infância –em suma, a idéia de que o mundo não começou com ela.

Tradução de Clara Allain

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