São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Implantes na psique

GENE EMERY
DA "REUTER"

Sharon Filip, uma hipnoterapeuta de Seattle (EUA), recorda perfeitamente um contato imediato que teve com um Ovni (objeto voador não identificado) quando era criança, seguido por seu sequestro por extraterrestres que surgiram a partir do nada.
Chris X recorda o trauma de ter se perdido de seus pais num shopping center aos cinco anos de idade, e de como foi ajudado por um velhinho bondoso que usava uma camisa xadrez.
Ambos estão convencidos de que suas memórias são reais, porque eles as recordam detalhadamente e com clareza. Mas em pelo menos um desses casos as memórias são totalmente falsas.
A capacidade que o cérebro humano possui de criar falsas memórias de momentos traumáticos, como abusos sexuais, está rapidamente se convertendo em assunto do momento entre psicólogos.
"Desde que se utilize sugestionamento suficiente, é possível fazer com que as pessoas acreditem que viveram experiências inteiras que jamais aconteceram", disse a psicóloga Elizabeth Loftus, da Universidade de Washington em Seattle.
Durante uma recente conferência em Seattle, promovida pelo Comitê para a Investigação Científica das Afirmações de Paranormais, os pesquisadores descreveram uma série de experiências que mostraram como é fácil implantar memórias que imitam recordações de fatos reais.
Os pesquisadores também disseram que os especialistas têm poucas condições de ajudar seus pacientes a distinguirem fatos de fantasias.
"Os profissionais não têm qualquer teste para determinar quando uma criança foi exposta a repetidos sugestionamentos", disse Stephen Ceci, professor de psicologia da Universidade Cornell em Ithaca, Nova York.
No caso de Chris X, identificado apenas por seu primeiro nome, sua memória de infância de haver se perdido no shopping center foi implantada numa experiência de laboratório na qual Loftus e outros pesquisadores utilizaram perguntas-chaves para sugerir que o incidente havia realmente acontecido.
A memória era completamente falsa, mas Chris X não apenas passou a acreditar que o fato havia realmente acontecido como também começou inconscientemente a inventar detalhes.
Mesmo quando a equipe de pesquisadores lhe disse que o fato havia sido forjado, o adolescente não acreditou.
"As crianças são desproporcionalmente vulneráveis a toda uma série de técnicas de sugestionamento"', disse Ceci.
As histórias de sequestro por extraterrestres vindos em Ovnis, muitas vezes recordadas com a utilização dessas mesmas técnicas, oferecem algumas evidências de como a mente humana inventa sem intenção histórias assustadoras.
Alguns especialistas, como o psicólogo Robert Baker, da Universidade de Kentucky, afirmam que elementos das histórias de sequestro por Ovnis podem facilmente ser explicados por uma lista de conhecidos fenômenos psicológicos. Mas outros, como o psiquiatra John Mack, da Universidade Harvard, insistem que é possível que essas experiências sejam verídicas.
Baker afirma, por exemplo, que a chamada paralisia do sono pode levar as pessoas a se sentirem apavoradas, e ao mesmo tempo produzir alucinações que parecem ser reais.
"Quando você hipnotiza pessoas, está ligando a imaginação delas. E quando você aciona sua imaginação, tudo é possível", disse Baker. "Essas experiências aparentam ser muito reais. Se não parecessem reais, não seriam alucinações".
Baker observou que várias pessoas que alegaram haver sido raptadas por criaturas do espaço se referiram a um período durante o qual não conseguiram recordar-se do que aconteceu.
"A razão pela qual não conseguem lembrar-se de nada é que nada aconteceu", disse ele.
Embora os pesquisadores digam que a motivação para se inventar experiências pode ser o desejo de fama, dinheiro ou outros, é possível que muitas das pessoas que têm memórias falsas as utilizem como maneira de fugir de sentimentos de culpa ou atribuições de culpa.
"Todos nós queremos acreditar que aquilo de que nos lembramos realmente aconteceu", disse Susan Blackmore, psicóloga da Universidade do Oeste da Inglaterra, em Bristol. Com memórias falsas, "as pessoas podem atribuir a culpa por seus problemas a outros".

Tradução de Clara Allain

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