São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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Tesouro na praia

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mais importante sítio arqueológico do planeta ainda é capaz de causar surpresas aos pesquisadores, apesar de sua escavação ter começado no século 18.
Pompéia e Herculano, cidades soterradas pela erupção do vulcão italiano Vesúvio em 24 de agosto de 79 d.C., hoje são centros turísticos importantes. Mas estão longe de serem totalmente conhecidas.
Uma prova dessa capacidade de surpreender foi a recente descoberta de um inesperado tesouro em Herculano, na região onde costumava ficar o porto dessa pequena cidade litorânea.
Herculano era menor que Pompéia, com edifícios menos imponentes. Era uma cidade voltada principalmente para a pesca e agricultura, mas que tinha residências luxuosas. A região vesuviana estava na moda entre os romanos como local de veraneio, uma espécie de litoral norte paulista da época.
Centenas de pessoas fugiram da erupção se dirigindo ao mar. Muitas ficaram apinhadas debaixo das arcadas do porto, esperando por socorro.
Os barcos não podiam se aproximar, porém, pois o vento era contrário e ondas do tremor mantinham o mar agitado. Houve até quem tentou ajudar no resgate mas morreu em consequência.
O caso mais famoso é o de Plínio, o Velho, que comandava a marinha romana na vizinha cidade de Misenum (Miseno) e morreu asfixiado pelos gases venenosos que o Vesúvio lançou.
Plínio fora tentar ajudar, mas também movido por curiosidade. Os romanos não sabiam que o Vesúvio era um vulcão até ele mostrar isso de modo indubitável.
O destino das dezenas de pessoas abrigadas no porto foi parecido. Boa parte deve ter morrido asfixiada. Outros tantos foram enterrados pela lava incandescente que escorria do vulcão.
Os corpos dessas vítimas foram encontrados pelos arqueólogos apenas agora. Ao contrário de Pompéia, que foi recoberta de cinzas, Herculano foi coberta pela lava, que endureceu e manteve a cidade em um casulo muito mais difícil de perfurar.
Junto com os corpos foram encontradas jóias, incluindo braceletes, anéis e brincos de ouro. O motivo é fácil de perceber. As pessoas que fugiam saíram de casa o mais rápido que puderam, mas não sem antes tentar levar algo precioso.
As jóias se somam a um acervo raro de ourivesaria romana. Ao contrário de outros povos, não era hábito romano enterrar as pessoas com suas jóias, o que faz com que elas sejam relativamente mais raras no registro arqueológico.
Um adereço típico, encontrado em excelente estado, é uma maciça corrente de ouro de 1,8 metro. Ela era usada na cintura e cruzada sobre o peito. Mais ouro ainda foi encontrado na forma de moedas com efígies dos imperadores Nero e Vespasiano.
Nem tudo era luxo em Herculano. Um dos achados mais importantes foi um estojo contendo os instrumentos de um médico.
São agulhas, pinças, bisturis conservados em estojo de madeira com vários compartimentos metálicos para os instrumentos. Um achado aparentemente simples, mas que ajuda a contar um trecho da história da medicina.
Perto do porto há um local que promete descobertas ainda mais importantes no futuro. Ali fica a chamada Vila dos Papiros. Como diz o nome, trata-se de uma residência de uma pessoa rica, onde foram encontrados manuscritos.
Até agora os grandes achados na vila foram obras do filósofo grego Epicuro (341-271 a.C.) e seus discípulos (parte da obra do filósofo só é conhecida graças a alguns papiros encontrados em Herculano).
Pelas próprias condições da erupção, parte dos papiros foi destruída. Mas restaram alguns que puderam ser lidos mesmo no século 18, graças a paciências e cuidados infinitos em desenrolá-los.
Hoje, como novas técnicas de conservação química e de leitura informatizada, fica mais fácil estudar esses textos antigos. Como resta boa parte da vila para escavar, os historiadores cruzam os dedos à espera de novas descobertas.

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