São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
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A Copa de todos os brasileiros

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

O cair da tarde do último domingo permanecerá na memória da nossa geração como um momento privilegiado. Impecável, a seleção brasileira, na Copa do Mundo de 94, manteve a sua trajetória luminosa até o momento final.
Foi uma belíssima vitória esportiva, conquistada com sangue frio, técnica e garra. Mas seu significado mostrou-se ainda maior, pois transcendeu os limites do esporte.
Aquela alegria sem tamanho que dominou os brasileiros nasceu de termos novamente provado ao mundo, e sobretudo a nós mesmos, que temos valor –e é muito–, temos qualidades –e elas são grandes.
Andávamos necessitados.
Uma conjuntura econômica adversa que se arrasta há anos, decepções políticas em excesso e problemas sociais gravíssimos acabaram por prejudicar a nossa auto-estima. No esporte, a trágica morte de Ayrton Senna tornou o clima ainda mais sombrio.
Tanto assim era que, no momento da decisão por penalidades máximas, muitos desviaram a vista, certos de que o destino nos seria novamente contrário.
Ganhamos. Todos sentiram que valeu a pena o esforço, que valeu a pena a torcida. Todos viram, alguns com espanto, que às vezes a boa sorte ainda se lembra dos brasileiros.
De imediato, a vitória despertou nossas melhores qualidades. Elas estavam patentes em todas as comemorações pela conquista da taça.
Durante a noite de domingo, em todas as cidades, grandes ou pequenas, o povo tomou pacificamente as ruas, numa alegre exibição de fraternidade, misturando pessoas de todas as cores, nascidas em todos os Estados do país.
É uma virtude muito nossa que nos imuniza contra o racismo e os regionalismos, velhas pestes que ainda agora voltam a assolar a Europa e o Oriente Médio.
Comportamo-nos à altura.
Nem todos, é claro. Como há os que não sabem suportar a derrota, há também os que não têm educação, compostura e nem estatura moral para saber conviver com a vitória. São homens que tudo medem pelo padrão estreito de seus rancores pessoais. Quanto mais sobem, menores parecem.
A deplorável atitude da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), negando "no tapetão" a todos os brasileiros de São Paulo o prazer de recepcionar a seleção, revelou-se de uma mediocridade a toda prova.
Não podíamos aceitá-la e não a aceitamos. Não há desculpa que a justifique. Saber se houve ou não hostilidade de uma parte da imprensa paulista em relação à CBF, fato apresentado como pretexto para a negativa inicial, é uma questão que não nos interessa, nem vem ao caso.
Em primeiro lugar, São Paulo e seus torcedores não poderiam pagar pelo que não fizeram. Em segundo lugar, esse tipo de argumento, impregnado de regionalismo no seu pior sentido, não é admissível no Brasil, sobretudo em São Paulo, terra onde se reúnem brasileiros vindos de todos os cantos do país.
É preciso deixar muito claro que não desejamos homenagear apenas os 11 jogadores paulistas da seleção. Eles já receberam, aliás, um primeiro abraço do povo na madrugada da última quarta-feira, no aeroporto de Cumbica. Nossa homenagem se dirige a todos os integrantes da seleção, jogadores e membros da comissão técnica, sem exclusões.
Essa é nossa tradição e nosso orgulho. Sempre recebemos todos nossos compatriotas de braços abertos, tanto os que vêm cobertos de glória quanto os que chegam de mãos vazias. Em troca, eles sempre nos deram seu talento e seu entusiasmo, transformando-nos no que somos.
Se guardamos aplausos para os 11 jogadores paulistas, nem por isso esqueceremos de Ricardo Rocha, de Pernambuco, de Bebeto, da Bahia, dos gaúchos, como Dunga, Branco e Taffarel, e dos cariocas, como Romário, Parreira e Zagalo, o mais autêntico dos tetracampeões.
A todos vocês, pela emoção partilhada entre amigos, pela alegria da vitória, pela confiança recobrada em nós mesmos e em nosso país, mando aqui o agradecimento comovido de todos os brasileiros de São Paulo. Aquele abraço!

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