São Paulo, domingo, 24 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O consenso de Jacarezinho

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

A vitória foi justa, a festa popular foi mais do que merecida, o tetracampeonato contemplou a melhor escola do futebol mundial. O técnico Carlos Alberto Parreira saiu com a taça na mão, em triunfo. Muito criticado antes e durante a competição, acabou até merecendo da crítica esportiva o título de "craque da Copa".
A alegria da vitória destrói o senso crítico. Os erros são esquecidos, ficam as virtudes. Os bons jogadores viram craques, os craques viram "gênios", os treinadores aplicados transformam-se em "estrategistas", os dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol, a começar pelo presidente Ricardo Teixeira –que abandonou a seleção e o técnico na derrota de 90– pode posar de comandante da vitória e os jornalistas que apoiaram Parreira, sinceros ou oficialescos, se sentem autorizados a vestir a auréola dos santos profetas.
Todos fingem que o Brasil bateu a Itália de forma inapelável, que a disputa da Copa não foi decidida através daquilo que a própria imprensa apelidou de "loteria dos pênaltis", e que a vitória poderia estar, tranquilamente, em mãos italianas, temor que todos tivemos quando Márcio Santos perdeu o primeiro chute.
Mas por mais que os arautos do futebol parreirista proclamem o modelo adotado nesta Copa como o único a ser seguido pelo Brasil, pairam no ar, do Oiapoque ao Chuí, dúvidas fundamentais: não poderíamos ter jogado um futebol mais veloz, objetivo e criativo? Os Estados Unidos tinham uma seleção para exigir do Brasil tanto esforço para uma vitória tão apertada? O empate contra a Suécia foi culpa do campo? A função tática de Zinho era assim tão importante? Paulo Sérgio foi um grande achado do técnico? Cafu e Leonardo não deveriam mesmo ser testados no meio-campo?
As dúvidas permanecem, mas sobre elas ergue-se a unanimidade, o consenso de Jacarezinho e do Brasil: Romário. Banido pela nossa dupla de "estrategistas" por ser "indisciplinado" e "desagregador" (lembro de um patético Zagalo, furioso, na TV, explicando que Romário era um moleque, que tinha feito xixi na cabeça de turistas, quando era dos juniores), o maior craque da Copa do Mundo foi imposto à seleção por um clamor nacional.
Não fosse o grito das arquibancadas, a opinião da "imprensa derrotista", e uma contusão de Muller, Parreira e Zagalo teriam mantido sua agora louvada "coerência" e deixado fora da Copa o nosso maior jogador. Repito: Parreira e Zagalo foram ferrenhamente contra a convocação de Romário.
E é a ele, o craque do Vasco e do Barça, que devemos os principais momentos de brilho de nossa seleção. Brindaremos a Mauro Silva, nos lembraremos de Aldair e Bebeto, mas será a camisa 11 que a torcida jamais esquecerá. É Romário que ficará na história entre os melhores. Pois foi ele quem de fato encarnou um futebol capaz de ser moderno sem desprezar o melhor da escola brasileira.
E afinal: você preferiria uma seleção com Romário e sem Parreira ou com Parreira e sem Romário?

Ilustração: detalhe de "O Juízo Final", de Giotto, pintado na Capela dos Scrovegni, em Pádua, 1304.

Texto Anterior: Pinte tudo antes de torrar os reais
Próximo Texto: A MISÉRIA MORA AO LADO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.