São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Mortalidade infantil e saneamento

JOSÉ EDUARDO NASCIMENTO

O constrangimento explicitado no discurso que o ministro Beni Veras, do Planejamento, proferiu em cadeia nacional no último dia 6 merece sérias reflexões.
Referia-se o ministro, em sua exposição, ao crescimento da taxa de mortalidade infantil nas áreas mais pobres do Nordeste, conforme dados de responsabilidade da Pastoral da Criança que apontam um aumento de 30% dessa taxa, nas referidas áreas, no primeiro trimestre de 94 em relação a igual período do ano passado.
E deve ser acrescentado que se a taxa é assustadora, piores são os números absolutos dos quais ela foi extraída: 174 óbitos por 1.000 crianças com menos de um ano de idade.
Entre as reflexões que o constrangimento/denúncia do ministro estimula cabe breve avaliação do que tem sido feito e sobretudo do que precisa ser feito para que se possa atacar, com eficiência, uma das causas centrais da mortalidade infantil, bem como do cólera, da dengue e outras calamidades do gênero: o déficit e a crise crescente dos serviços de saneamento básico no Nordeste e nas demais regiões, inclusive no Sudeste.
Primeiro, deve ser dito que o que está sendo feito é praticamente nada, desde que cessaram os benefícios do Planasa (Plano Nacional de Saneamento Básico).
Este plano foi responsável pela aplicação de mais de US$ 10 bilhões em programas de abastecimento de água e tratamento de esgotos, ao longo dos anos 70 e nos primeiros anos da década de 80.
Desde então, de um lado veio decaindo progressivamente a capacidade de financiamento do governo e, de outro, reduzindo-se o montante de recursos recebidos de agências internacionais.
Em consequência, os investimentos no setor não atendem sequer às necessidades do crescimento vegetativo da população. Em todas as regiões do país.
Até empresas estaduais como a Sabesp, que executou importantes projetos na fase áurea do Planasa, vive hoje sufocada de problemas, operando com uma taxa terceiro-mundista de desperdício, impotente para expandir e modernizar seus serviços e gastando significativamente com o custeio. Imagine-se qual a situação de outras companhias estaduais.
O mais grave nessa reflexão, porém, são as resistências às soluções fundamentais que a crise da política (ou da falta de política) de saneamento exige.
Essas soluções envolvem uma corajosa mudança do padrão de financiamento, através de processo de concessão e terceirização das obras e serviços do setor a investidores e gestores privados, processos esses recomendados pelas próprias agências internacionais, como o Banco Mundial e o BID.
Mesmo mudanças graduais, envolvendo a aprovação de um projeto de lei que abre limitadamente a política nacional de saneamento a novos padrões de financiamento e gerenciamento, encontram-se bloqueadas no Legislativo.
Finalmente –após seis anos de permanência na Câmara– esse projeto (PL 199) seguiu para o Senado, onde no início de 1994 foi discutido na Comissão de Assuntos Sociais, coincidentemente presidida pelo senador Beni Veras, agora ministro do Planejamento.
Cabe, por fim, destacar que o atraso do país na abertura e modernização de sua política de saneamento pode implicar mais um sério prejuízo, já este ano: a exclusão dele de um programa de investimentos para a América Latina, sobretudo em saneamento básico, dimensionado pela Opas (Organização Panamericana de Saúde), em US$ 217 bilhões a partir de 1994 e ao longo de 12 anos.
Concluindo a reflexão, diremos que uma resposta concreta e séria à dramática denúncia do ministro Beni Veras deve ser o encaminhamento, sem mais demora, de mudanças profundas e essenciais na política nacional de saneamento básico.

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