São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Ópera de Pequim muda para enfrentar TV

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Para enfrentar a TV na competição por público, a tradicional Ópera de Pequim está se reestruturando. Temas, música e cenário adotam novos ingredientes que evidenciam a abertura da China à invasão de elementos ocidentais. "Hoje em dia, as gerações mais novas preferem ficar em casa para ver filmes importados", reclama Liu Bingha, diretor do Instituto da Ópera de Pequim.
Abertura
Deste 1978, a China comunista implementa reformas que trazem o capitalismo e abrem o país a influências estrangeiras. Pelas ruas do Pequim, cartazes glorificando as conquistas da revolução deram lugar à publicidade da Coca-Cola.
Num dos raros vestígios dos tempos vermelhos, um retrato gigantesco de Mao Tsetung, o líder revolucionário morto em 1976, ainda se impõem na praça Tian An Men, centro da capital chinesa.
Uma das mais tradicionais expressões da arte chinesa, a Ópera de Pequim se notabilizou ao retratar novelas históricas e contos populares. Mas entre 1966 e 1976, a China foi sufocada pela Revolução Cultural, os dias mais radicais do maoísmo. Era a época quando no palco só podia se falar das "conquistas da classe trabalhadora".
Mudanças
A ofensiva revolucionária se dissolveu e o país entrou na era das reformas. Os temas da Ópera mudaram novamente. "Agora procuramos falar mais dos problemas atuais que as pessoas enfrentam, das mudanças sociais trazidas como resultado da política do governo", explica Bingha à Folha. O ator Ye Jinyuan resume de outra forma: "A questão que se apresenta é como conviver com uma economia de mercado".
Para adaptar-se ao novo ritmo, a Ópera de Pequim decidiu encurtar suas apresentações. Justifica Jinyuan: "Precisamos economizar tempo para atrair o público". A música também atravessa a transição. A orquestra ganhou mais instrumentos, como flautas e outros elementos das 55 minorias étnicas que vivem na China.
Bingha relata que até um piano elétrico já conseguiu um lugar na tradicional Ópera de Pequim. Para ele, as mudanças não podem ser descritas como "influência do Ocidente". "Tentamos apenas absorver os aspectos positivos", comenta.
O que Bingha chama de "influência positiva" se espalha ainda pelo figurino e cenografia. O vestuário da dinastia Ming, que reinou entre 1368 e 1644, monopolizava os guarda-roupas, mas agora há liberdade para se recorrer a elementos de outros períodos históricos.
A tradicional Ópera de Pequim também engessava a cenografia e eram admitidos somente um pano de fundo, uma mesa e duas cadeiras. Agora, o pano de fundo pode variar em suas estampas, cores, enquanto se usa também maior flexibilidade para montagem do cenário nos novos enredos.
Intercâmbios
A abertura ao Ocidente resulta ainda em maior intercâmbio com o mundo teatral. Em fevereiro e março passado, a Ópera fez 37 apresentações em sete cidades italianas. "Foi um verdadeiro sucesso e em 1995 voltaremos aos palcos da Itália", comemora o ator Jinyuan. A última vez que eles estiveram no Brasil foi em 1988 e por enquanto não há planos para um retorno.
As viagens correspondem a uma valiosa fonte de financiamento. A queda de bilheteria anda preocupando a Ópera de Pequim. "O governo proporciona entre 50% e 60% do nosso orçamento e com essa ajuda já garantimos uma certa estabilidade, mas não podemos deixar de acompanhar as mudanças que ocorrem em nosso país", afirma Li Haotin, um dos diretores.
Um dos seis grupos que integram a Ópera de Pequim já recorreu à nascente iniciativa privada chinesa e conseguiu patrocínio. Recebe ajuda da Tanlu, um grupo de oito empresas que se destacam principalmente na área química.
O aquecimento da economia também se reflete na área cultural. "A concorrência aumenta, está muito forte", constata Haotin. "Mas a Ópera conta com uma história muito longa e embora haja uma queda de bilheteria de um lado, de outro temos o aumento significativo de estrangeiros que estão vendo nossos espetáculos aqui em Pequim".

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