São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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O ovo da serpente

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – Começam, por fim, a surgir análises algo menos conjunturais sobre o atentado da semana passada contra duas entidades judaicas de Buenos Aires. Refiro-me, em especial, às entrevistas do escritor Ernesto Sábato e de Israel Levin, presidente da Federação Israelita paulista.
Fica evidente que o caldo de cultura de que se nutre a intolerância está presente, faz muito tempo, em setores importantes da sociedade argentina. Vem desde o abrigo dado pelo governo do general Perón a nazistas que escapavam da derrota na 2ª Guerra Mundial.
E chega até o anti-semitismo militante da repressão na mais recente ditadura militar (76/83). Nesse período, há abundante documentação para demonstrar que qualquer judeu colhido pela formidável maquinaria repressiva sofria muito mais do que os demais cidadãos não-judeus.
Não estou dizendo, como é óbvio, que há uma relação de causa e efeito entre essa cultura e os atentados, seja o da semana passada, seja o de 1992 contra a Embaixada de Israel.
O ponto é outro. O ponto é o relativo descaso para com grupos totalitários. Eles têm sido tratados mais como manifestações folclóricas ou patológicas, quando acompanhadas de violência.
No próprio Brasil, o discurso autoritário que impregna a candidatura de Enéas Carneiro (Prona) tem sido visto apenas como folclórico. Na Itália, o Movimento Social Italiano, agora parte da coligação governante, também não foi levado muito a sério, até que, instalado em fatias do poder, tenta recuperar a memória de Mussolini, ao menos parcialmente.
São casos em que não há distanciamento ou neutralidade possível. Quando se rompe a linha divisória entre civilização e barbárie, por mais méritos que possa ter tido um governo autoritário, tem-se que escolher a civilização ou correr o risco implícito na barbárie.

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