São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Letra morta

JOSÉ SERRA

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
(Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 227)

Poucos artigos expressam de forma tão completa o idealismo da Constituição brasileira e, ao mesmo tempo, são tão flagrantemente descumpridos como este. Levá-lo à prática, em sua plenitude e a curto prazo, é impossível, mas que tal melhorar um pouquinho a situação?
É exasperante conviver nas esquinas de nossas cidades com a visão trágica de meninos e meninas pedindo esmolas, drogando-se ou sendo manipulados por marginais. Essas crianças só serão salvas de um futuro sombrio pelo caminho da educação. É urgente, portanto, que a União, os Estados, os municípios e a sociedade como um todo juntem esforços para realizar um programa audacioso nessa área, em três níveis:
1) Creche: o sistema de creches deve ficar sob a responsabilidade de cada município. Isso não quer dizer que a prefeitura deva pagar todos os custos para dar assistência às crianças em idade pré-escolar. Deve, isto sim, coordenar o sistema, buscando parceria com a iniciativa privada e com instituições diversificadas –do Rotary às diferentes igrejas. A creche deve ter não apenas o sentido de dar guarida às crianças como também o de prepará-las para o ensino fundamental.
2) Ensino básico: É uma obrigação dos governos estaduais e, na maioria das cidades, das prefeituras. São Paulo, hoje, não tem grandes problemas de vagas nas escolas públicas de primeiro grau. O desafio é manter as crianças nelas e oferecer-lhes um ensino de qualidade.
A evasão escolar é absurdamente alta. Em São Paulo, em 1992, quase 1,5 milhão de alunos num universo de 5,5 milhões de estudantes da rede pública abandonaram os estudos –a maior parte, evidentemente, por falta de ensino estimulante e de dinheiro dos pais.
É preciso oferecer aos alunos pobres uma merenda escolar forte e, paralelamente, garantir condições materiais mínimas para frequentarem a escola. Os governos estaduais devem também imprimir e distribuir livros didáticos de graça, coisa que não fazem há muito tempo. Além, evidentemente, de melhorarem as condições de trabalho e remuneração dos professores.
3) Cursos profissionalizantes: outra necessidade urgente é a difusão em grande escala de cursos profissionalizantes, tanto dentro da estrutura do ensino de segundo grau quanto por meio de cursos livres e de curta duração. Nessa frente, o empresariado e suas entidades podem prestar uma colaboração decisiva.
A maioria dos jovens que ingressam no mercado de trabalho não têm qualquer preparo técnico. Assim, perdem eles próprios porque não arrumam bons empregos e perdem as empresas que, nesta época de rápidas transformações tecnológicas, não conseguem funcionários preparados. A qualificação profissional dos jovens em diferentes áreas da produção industrial, do comércio e dos serviços é, portanto, um imperativo para o crescimento sustentado da economia e para que milhões de crianças e adolescentes voltem a ter um futuro profissional.

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