São Paulo, terça-feira, 26 de julho de 1994
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Vida longa ao real

EMERSON KAPAZ

Aqui e ali surgem previsões de que a estabilização econômica trazida pelo real terá vida curta. Ligados ou não a interesses eleitoreiros, analistas à direita e à esquerda do governo têm lançado previsões pessimistas.
Dizem que o plano fará água porque não será possível o acerto das contas públicas devido à ausência das reformas estruturais e à morosidade da privatização.
Prevêem que, a partir de um certo momento, será inevitável reindexar tarifas, câmbio, salários, aluguéis e contratos.
E que, daí em diante, a volta da espiral inflacionária será mera decorrência natural de um projeto cujos autores sabiam que poderiam ir somente até certo ponto.
Tudo isso poderá se concretizar se o plano for deixado ao deus-dará. Se não houver uma determinação política em sentido contrário, os fatores inflacionários, inerentes ao governo e ao próprio conflito distributivo, voltarão com toda a força.
O máximo que este ou o próximo governo poderão fazer é dar um pouco de sobrevida ao real, até que o galope crescente da inflação obrigue a elaboração de um novo plano.
É isso que todos desejamos, dar um pouco de sobrevida ao real? Vamos nos conformar com a idéia de que é apenas uma questão de tempo e perda da estabilização econômica sobre a qual poderíamos voltar a crescer e distribuir renda?
Em artigo anterior, assinalei a necessidade de uma negociação entre governo e empresários. Não me refiro às inúmeras reuniões realizadas de janeiro a junho no Ministério da Fazenda, que chegaram a acordos de cavalheiros rompidos às vésperas do real.
Falo de uma negociação séria, em clima de estabilidade de preços, que precisa ser iniciada já entre os dois setores sobre cujos ombros hoje recai a maior responsabilidade pelo êxito ou fracasso do real.
A negociação deve partir do compromisso do governo de baixar os juros. Em troca, os empresários aumentarão a produção sem precisar elevar os preços e até revendo alguns aumentos praticados às vésperas do real.
Essa negociação precisa ser simultânea e multilateral, utilizando-se as câmaras setoriais para obter a redução de impostos em troca da garantia da elevação da produção e do emprego. Esse compromisso é muito mais eficaz para combater a inflação do que a elevação estratosférica dos juros.
O sistema financeiro tem a obrigação de baixar as tarifas e elaborar uma proposta para viabilizar a volta do financiamento da produção.
Também não se pode esperar mais para iniciar a redução dos impostos. A começar do IPMF, que agora virou imposto inflacionário.
Imaginemos que a inflação de agosto ou setembro será de 0,5%. Se um cidadão fizer um único depósito e um único saque no mês, com a alíquota de 0,25% para cada transação financeira, ele perderá no pagamento do imposto todo o rendimento mensal de sua poupança! É preciso reduzir a alíquota do IPMF já.
Dados esses passos, estaremos prontos para uma segunda etapa dessa negociação. Ela exigirá uma enorme dose de maturidade política, para que não seja perturbada pelo processo eleitoral.
Precisaremos negociar a criação do Banco Central independente; a implementação de reformas estruturais, especialmente a previdenciária e a tributária; a agilização da utilização da lei antitruste, com o aparelhamento da SDE (Secretaria de Direito Econômico) e do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica); a aceleração das privatizações e a reforma do sistema financeiro.
Também será necessária a negociação nas cadeias produtivas para evitar o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos para entrega futura de bens e serviços, cujos valores ficaram congelados por períodos de 12 meses. Esse congelamento se choca com a decisão do próprio governo de manter os reajustes das prestações do SFH (Sistema Financeiro de Habitação) e sua periodicidade.
Portanto, não se pode mais afirmar que o plano é do governo ou de algum candidato. O plano é de todos. Dará certo quanto maiores forem sua autonomia e credibilidade.
Assim, será um plano imbatível, qualquer que seja o presidente eleito. Estamos todos no mesmo barco, e depende de nós buscarmos uma estabilidade que, para ser duradoura, terá de ser negociada.

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