São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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A antropóloga e o cacique

Diante de determinadas circunstâncias –normalmente a chance de conquistar o poder ou nele permanecer–, forças ideologicamente díspares ou até antagônicas podem aliar-se. É evidente que uma aliança desse tipo visa unicamente a um determinado fim e dela não se deve esperar uma maior coesão em termos de idéias.
O acordo que uniu o social-democrata PSDB de Fernando Henrique Cardoso ao "soi disant" liberal PFL de Antônio Carlos Magalhães é um bom exemplo desse tipo de aliança. Seria ingênuo acreditar que certas arestas e incômodos não viessem a aflorar ao longo da campanha presidencial de FHC.
O que ninguém esperava é que uma situação de tensão pudesse ser provocada pela normalmente silenciosa professora Ruth Cardoso, mulher de FHC e antropóloga de renome. Ao declarar que o PFL tem um ACM, mas tem também um Gustavo Krause e um Reinhold Stephanes, Ruth nada mais fez do que refletir as dificuldades que o meio acadêmico de centro-esquerda simpático à candidatura de FHC tem para aceitar a aliança entre PSDB e PFL.
Ao ressaltar a existência de políticos considerados éticos no PFL, Ruth procurava tornar o acordo mais palatável. ACM, como era de se esperar, não gostou. E FHC veio em seu socorro, qualificando a declaração de sua mulher como infeliz. Do ponto de vista puramente político, certamente foi; afinal, acredita-se, Ruth quer ver FHC na Presidência de República e, para chegar lá, não convém sair atacando um importante aliado.
A questão tática, porém, não torna a colocação da antropóloga menos verdadeira. O PSDB é um partido que sempre procurou cultivar uma imagem de preocupação com a ética e o respeito ao dinheiro público. O PFL é um partido cuja principal preocupação sempre foi a de manter-se no poder, onde, como se sabe, tem imperado a política da troca de favores e de cargos e a fisiologia explícita, com exceções, é claro. É difícil, portanto, conciliar, no campo das idéias, essas duas visões tão diferentes da política. Novas arestas tendem a surgir. É o preço que se paga quando se deseja aproximar dois pólos tão opostos.

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