São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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Amnésia messiânica

ANTÔNIO DELFIM NETTO

Antonio Delfim Netto
O ex-quase certo presidente do Brasil, o sr. Lula Inácio da Silva, perturbou-se com os primeiros resultados do início da campanha eleitoral. Em Jaú, saiu-se com esta jóia: "A propaganda do real faz lembrar os tempos do general Médici. Naquela época, a propaganda era 'Brasil: ame-o ou deixe-o!' Tudo parecia ótimo na TV, enquanto o povo passava fome".
O problema do Lula é que ele, como o Fernando Henrique, parece ter problemas de memória. O Fernando Henrique disse: "Esqueçam tudo o que escrevi". E fez bem! Agora diz que não disse... O Lula, num videoteipe (que está à disposição do PT), disse que nos anos 70 foi a única vez que conseguiu comprar um carro novo.
Só há duas explicações possíveis: ou o Lula já não era "povo" em 1970, ou ele também foi atacado de amnésia.
Parece que a conjunção astral (Bisol mais real) na casa de julho foi demais para a superficial coerência do discurso do candidato. A campanha apenas começou. É agora que todos vão ter que mostrar a que vieram. O programa eleitoral gratuito será o mais democrático possível. Nada de arranjos, nada de canastrões bem falantes ou de belezas duvidosas, nada de efeitos especiais que escondiam o candidato. Cada um sozinho, diante da multidão anônima e indiferenciada. Com rara exceção vamos vê-los assustados diante do "tele-pronto", lendo com os olhos fixos e estanhados, receitas de papinhas para crianças pré-mastigadas pelas mandíbulas de "marketeiros".
Cada bobagem, cada ingenuidade, cada escorregadela, cada mistificação, cada slogan que disfarça a falta de pensamento, cada mentira escondida na falta de memória lhes serão cobrados em votos, pelo "povo".
Se o PT e o Lula quiserem mesmo disputar esta eleição, vão ter que entender, em primeiro lugar, onde estão a força e a fraqueza do Plano Real. Mas a crítica consistente ao plano lhes é negada porque eles (como aliás o Fernando Henrique) não contribuíram em nada para a construção dos "fundamentais". O PT ainda mais ostensivamente, porque fingiu não entender o papel da reforma constitucional.
Em segundo lugar, vão ter que entender o drama do "problema Bisol". Sem qualquer julgamento de valor, sobre a pessoa do senador, a verdade é que a indecisão do PT criou-lhe um dilema. Tendo defendido (supomos por bons motivos) que o senador era vítima de uma campanha caluniosa dos adversários, obrigá-lo agora a deixar o cargo significa juntar a calúnia (que de boa-fé pode rejeitar-se) à injustiça (sobre a qual não restará dúvida).
O messianismo da campanha do Lula ("O vermelho do PT é o sangue de Cristo") encontrou eco no desespero, na aflição e no sentimento de impotência dos mais pobres. O resto é defesa do corporativismo estatal e dos sindicatos fortes dos setores oligopolizados. O problema é que não há nada mais antagônico aos interesses do primeiro grupo do que os interesses do segundo, como ficará claro nos programas de TV.
Chegou a hora da verdade!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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