São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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O PSB que não fundei; Pela liberdade de expressão; O bolo da intolerância; Justiça para os índios; Pesquisa em São Paulo; Drogas e jovens; Declaração indiscreta

O PSB que não fundei
"Longe do país, li, com entusiasmo, na edição de 21/07, à página 5 do primeiro caderno do seu noticioso e surpreendente jornal, em meio a outras informações igualmente penetrantes e precisas, que 'Lins e Silva foi fundador do PSB (Partido Socialista Brasileiro) em 1947, juntamente com Roberto Mangabeira Unger e Hermes Lima...' Até então, a amnésia infantil me ocultara haver eu cumprido essa tarefa libertadora no ano do meu nascimento, talvez ainda poucas semanas depois de vir à luz. Inexplicavelmente, o seu articulista deixou de comentar alguns aspectos desse episódio merecedores da reflexão dos leitores. Só mesmo pioneiros no politicamente correto, livres de todos os preconceitos, inclusive dos preconceitos sobre a idade, teriam acertado com um recém-nascido a fundação de um partido político. Nada mais natural, portanto, do que lembrar um destes magnânimos agora, também sem consideração a sua idade, como possível substituto do guardião da moralidade pública, Bisol, militantes ambos de um partido que, ainda no berço, fundei. Não se impressionem os leitores com a insinuação maliciosa de ser o socialismo doutrinário a doença infantil da esquerda. Só um infante, sem memória nem antevisão, de coração puro e olhos vendados, teria tomado uma iniciativa tão esperançosa. Se, entre as revelações das minhas primeiras manhãs sobre a terra, eu houvera previsto que os brasileiros na primeira eleição subsequente a 21 anos de ditadura militar humilhante elegeriam como presidente um canastrão frívolo e ganancioso, que fizera carreira sob aquela mesma ditadura, e que venderiam a sua herança cívica por um prato de lentilhas; que grande parte das elites educadas do país apontariam esta figura ao eleitorado, preferindo a ruína moral ao risco econômico; que a política brasileira da direita à esquerda passaria a usar uma só linguagem –a linguagem de uma social-democracia oca e hipócrita, fazendo da mentira uma religião e da ignorância uma maneira de ser; que os progressistas e estudiosos da minha geração, hoje politiqueiros e financistas, se deixariam absorver no esforço de enganar e enriquecer, incondicionalmente submissos aos imperativos impostos pelos interesses dominantes e pelas grandes potências; que as mulheres e os homens mais preparados do meu país trairiam o Brasil porque o aceitariam; que a idéia de construir uma sociedade com instituições econômicas e políticas próprias viria a ser ridicularizada como um atavismo irrelevante e romântico; que agora mesmo se reuniria atrás do biombo da democracia social uma grande aliança dos proprietários, dos gozadores e dos desencantados; e que o povo brasileiro passaria a estimulá-los, dando indícios de que se prepara a decidir o destino do país de acordo com os preços da semana, eu talvez não houvesse persistido no meu projeto infantil de fundar o Partido Socialista Brasileiro."
Roberto Mangabeira Unger, professor titular de Direito da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA)

Nota da Redação – Leia nota na seção Erramos abaixo.

Pela liberdade de expressão
"Os abaixo assinados, escritores e professores, vêm manifestar sua solidariedade ao filósofo Roberto Romano, no que respeita ao processo que lhe está sendo movido pelo parlamentar Roberto Cardoso Alves (PTB-SP). O professor Romano é um intelectual de notório saber, que exerce os direitos elementares de expressão e de crítica, essenciais ao convívio democrático, pugnando a favor da ética na vida política nacional, a partir da tribuna livre da seção Tendências/Debates desse jornal. Sua voz combativa não pode ser calada numa sociedade que se pretenda dialógica e plural."
Haroldo de Campos, poeta, Jacó Guinsburg, editor, Gita Guinsburg, física, Boris Schnaiderman, ensaísta, e Jerusa Pires Ferreira, ensaísta (São Paulo, SP)

"Por entender que uma sociedade democrática pressupõe o direito ao exercício da análise crítica e da liberdade de expressão, vemos a públicos manifestar apoio e solidariedade irrestrita ao professor Roberto Romano na ação que corre por parte do deputado federal Roberto Cardoso Alves."
Célia Maria de Lira Cavalcanti, pela Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Recife, PE)

O bolo da intolerância
"Wamireh Chacon, em artigo de 23/07, expressa sua opinião de maneira lúcida e se reporta às raízes e aos motivos que levaram a Argentina a assistir a mais um atentado de natureza anti-semita, tão comuns naquele país. A carapuça veste sob medida também o nosso Brasil, agora feliz com o seu tetra e insensível à discriminação racial e social que se manifestam hoje tão ostensivamente em nosso território. É só dar chance e colocarmos fermento nessa massa de ódio que germina por estas bandas e o bolo da intolerância crescerá espantosamente."
Henrique Zilbovicius (São Paulo, SP)

Justiça para os índios
"Congratulamo-nos com o professor Dalmo Dallari e com a Folha pelo excelente artigo 'Justiça para os índios', publicado na edição de 26/07, que alerta as autoridades para o cumprimento de decisão judicial que assegura o direito e a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas."
Lidia Luz, coordenadora da Comissão Pró-Índio de São Paulo (São Paulo, SP)

Pesquisa em São Paulo
"Agradeço à Folha pela abertura dos problemas dos institutos de pesquisa do Estado de São Paulo. É lamentável a situação salarial dos pesquisadores e dos outros funcionários desses institutos. É inconcebível que o próprio governo que cria uma lei equiparando os salários dos pesquisadores aos da universidade não a cumpra, a ponto de o salário inicial de um pesquisador ser inferior ao de um faxineiro."
Maria Judite Bittencourt Fernandes (São Paulo, SP)

Drogas e jovens
"O consumo de drogas é apontado como o principal problema enfrentado pelos jovens na opinião de 49% dos estudantes da rede pública estadual (SP). Acima, portanto, dos problemas da violência urbana (37%), da falta de oportunidade de trabalho (31%) e da Aids (30%). Apesar disso, em vez de investir em campanhas de prevenção contra o uso de drogas, o governo brasileiro prefere gastar milhões em propaganda de apologia ao real."
Cesar Callegari, ex-presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (São Paulo, SP)

Declaração indiscreta
"Finalmente decidi o meu voto e desejo torná-lo público: para presidente da República, dona Ruth Cardoso, para vice, Gustavo Krause!"
Rodolfo Neder (São Paulo, SP)

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