São Paulo, quarta-feira, 27 de julho de 1994
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Uma empresa de sete povos

JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA

Timor Leste, Macau e Galiza acompanharam com permanente solidariedade e com viva esperança a proposta da diplomacia brasileira, que seria formalizada no Centro Cultural de Belém. A conquista que teve alento em 1961 e prosseguiu no encontro de São Luís do Maranhão, em 1989, quando se lançou a pedra fundamental do Instituto Internacional da Língua Portuguesa como primeiro passo na defesa do maior de nossos patrimônios comuns, foi mais uma vez adiada.
Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa estão as estruturas que definiram nossa formação de povo e as linhas mestras de nossas instituições.
A nova e decisiva etapa, com a presença confirmada de todos os presidentes lusófonos, tinha o 28 de junho como a data da solenidade de implantação da comunidade.
Circunstâncias supervenientes acabaram impondo o remanejamento do calendário previsto. Não houve, porém, qualquer alteração na vontade política.
Padre Manuel da Nóbrega dizia ainda no primeiro século de nossa incorporação ao mundo atlântico: "Este país é a nossa empresa", mas temos mais seis empresas iguais com povos na Europa, na África e na América. Por isso mesmo a comunidade não é projeto de risco nem aventura de circunstância. Estava desenhada em nossa herança histórica, em nosso espírito e em nossa cultura.
Com a estrutura de países independentes –Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe–, firmam agora a dimensão conjunta de sua presença nos auditórios étnicos, culturais e políticos das nações.
Representamos uma realidade de mais de 200 milhões que falam a mesma língua e, por meio dela, expressam as aspirações e os valores da civilização que praticam.
Em Portugal, como no Brasil, a idéia da comunidade era uma semente que vinha germinando, e já em 1912 o pensador Silvio Romero, em famosa conferência no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro, preconizava a criação de uma Confederação Luso-Brasileira.
O ex-presidente Jânio Quadros batizou de política externa independente aquele novo tempo de nossas relações internacionais. A ênfase nos compromissos com nossas raízes étnicas e culturais foi anunciada junto com a recomendação presidencial de mudar o voto do Brasil na ONU (Organização das Nações Unidas), que passava a ser contra o colonialismo.
A Marinha programou a visita do navio-escola Custódio de Melo aos portos de língua portuguesa. E, pela primeira vez, o governo brasileiro nomeou um embaixador negro, o escritor e jornalista Raimundo de Souza Dantas.
Nessa hora de ousadia, no Palácio do Planalto, Darcy Ribeiro convocou o professor Agostinho da Silva para ajudar na implantação da revolucionária Universidade de Brasília (UnB), que passou a estimular de forma sistemática os esforços que nos aproximariam das comunidades lusófonas.
Na esteira dessas preocupações, o mestre encontrou o talento e a sensibilidade de Eduardo Portela que, comigo, promoveu a criação do Instituto de Estudos Afro-Asiáticos. A Universidade Cândido Mendes, além da UnB, desde então, mantém curso destinado a esses estudos.
Jorge Amado, nosso escritor maior, prestigiava o movimento que ganhou força no Rio e em São Paulo, com seminários promovidos pelo líder Abdias Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro.
A luta continuou e ao assumir a Secretaria de Cultura de Minas Gerais logo depois de implantar uma Assessoria da Negritude, que entreguei ao poeta Adão Ventura, articulei a criação do Fórum Nacional de Secretários de Estado da Cultura. Foi em Ouro Preto, no belo teatro municipal.
Antes de tudo isso, ao construir a Fundação Palmares, centro oficial que cuida de nossos vínculos com a África, verifiquei que tinha chegado a hora de colocar em prática a generosa idéia.
Com esse propósito, empreendi uma viagem aos cinco países. Fiz quase uma aventura aérea digna das caravelas, a bordo de um pequeno avião da Força Aérea Brasileira. Nessa expedição encontrei a receptividade para o projeto, e o dia 3 de novembro de 1989 é data que deve ser guardada como marco inicial.
Naquele dia, em São Luís do Maranhão, pelas mãos do companheiro e paladino da causa da lusofonia, o então presidente José Sarney, em histórico encontro com o presidente Mário Soares, construíram o Instituto Internacional da Língua Portuguesa.
Circunstâncias políticas, especialmente a extinção do Ministério da Cultura, levaram o instituto a uma prolongada quarentena dos dois lados do Atlântico.
Superados esses embaraços, acaba de ser aprovado na Câmara dos Deputados do Brasil o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, ao lado do Acordo Ortográfico, como os primeiros e modernos instrumentos de ação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Chegamos, portanto, à hora do amadurecimento. Como embaixador, este foi o trabalho de meus dias e minhas noites. Abandonei posições e tentações de mandatos parlamentares para dedicar-me em tempo integral à grande causa.
Esta é uma pequena história da longa caminhada até este momento.

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