São Paulo, sábado, 30 de julho de 1994
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Trapalhões foram os últimos palhaços da TV

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A "intelligentsia" que hoje venera o humor politicamente incorreto da turma de "Casseta & Planeta" é a mesma que condenou a comédia circense dos Trapalhões.
Existe um eixo unindo os dois tipos de humor, o chamado moderno e o antiquado –aquele que veio dos picadeiros de subúrbio, do palhaço e do capadócio chulo.
Em ambos estilos vigora a frase preconceituosa, histrionismo, a porrada, o improviso. O humor sutil nunca venceu no Brasil, por causa da tradição do escracho. Cria deste gênero, Jô Soares trocou a "gag" por um programa sério, onde sua inteligência tem peso maior que o humor.
Os Trapalhões são ao mesmo tempo herdeiros de um tipo de comédia e presas da tragédia e da mudança de geração. Seu produto nunca foi manufaturado. Estava ligado à vida real dos atores.
Nunca houve um script a ser decorado pelos atores. Como na "commedia dell'arte", combinavam uma situação e enchiam o tempo com cacos absurdos.
Daí o grupo maior que os indivíduos. Os quatro formavam uma microorganização social. O nordestino (Didi), o malandro (Dedé), o gay (Zacarias), o negro (Mussum), todos espelharam o caos ético e estético do país nos anos 70 e 80.
Os Trapalhões foram os primeiros a fazer paródia de programas de TV desde o início do grupo, em 1965, na TV Excelsior. No seu programa da Globo, tinham um quadro com paródias de músicas que só não fazia rir os mortos.
Mas não eram só fenômeno televisivo. Iniciaram no circo e levaram à TV as técnicas de picadeiro. Foram os últimos palhaços genuínos do tubo. Produziram filmes que viabilizaram o cinema nacional por duas décadas.
No ápice, eles eram criticados pela grosseria verbal, racismo e preconceito sexual. Os detratores diziam que os Trapalhões baixavam o pau nos negros, gays e nordestinos, numa autoflagelação da identidade racial brasileira.
O que diziam, porém, nunca importou. O conteúdo ideológico dos Trapalhões se diluía nas palhaçadas, nas contorções físicas, nas situações inusitadas. Realizavam a catarse das frustrações da nação pelo riso escrachado.
A geração do programa "TV Pirata", que renovou o humor na TV nos anos 80 e tem como filhotes a turma de "Casseta & Planeta", retomou parte dos procedimentos dos Trapalhões. Para vender o peixe, transformou seus pais em espantalhos. Os Trapalhões passaram a ser alvo de críticas, a ser chamados de antiquados.
Menos que o estilo, mudou a geração. Humor virou uma questão etária camuflada de estética. O conflito de gerações se converteu em luta quando a geração "TV Pirata" assumiu postos de comando na Globo, no início dos anos 90. Os Trapalhões foram rechaçados.
Em março de 1993, os novos diretores do programa dominical exigiram que Renato Aragão atuasse sozinho num quadro de costumes. Ele reagiu, dando a declaração fundamental para o entendimento do fenômeno Trapalhões: "Não sou um ator. Sou apenas um palhaço esforçado. Só sei interpretar o Didi. E o Didi não existe sem Dedé e Mussum."
O grupo foi tão clownesco que o drama da existência se abate sobre eles. O palhaço mítico é sempre aquele que pinta o rosto de alvaiade para provocar riso e esconder a desilusão. O fim dos Trapalhões é também o réquiem da figura do palhaço na TV.

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