São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Sobre as pesquisas e seus resultados

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Semana agitada essa que passou, em que a divulgação das pesquisas eleitorais que dão Lula e FHC empatados tecnicamente no primeiro lugar das intenções de votos esquentou os ânimos dos leitores e parece ter reavivado seu espírito crítico contra o jornal. Em cartas e telefonemas, eles disseram poucas e boas sobre a Folha e sobre a imprensa em geral.
Na quinta-feira, quando o jornal circulou com a manchete "FHC supera Lula no 2º turno", recebi telefonemas irados de leitores que viram "fernandohenriquismo" na Folha. Em linhas gerais, a argumentação era a mesma: o jornal teria destacado na manchete o fato de que o senador tucano ultrapassou o candidato petista apenas porque faz campanha para o primeiro. "Por que é que a Folha não deu na manchete que Lula, com 32 pontos na pesquisa, ainda continua na frente de Fernando Henrique, que tem 29 pontos?", perguntou uma leitora de São Vicente, no litoral paulista.
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que a manchete da quinta-feira tem uma justificativa jornalística forte: desde o início das pesquisas de intenção de voto, o candidato do PSDB nunca ultrapassara o do PT nas sondagens sobre o primeiro e o segundo turno. Durante quase três meses, Lula manteve uma confortável dianteira e, quando aconteceu a virada, o jornal destacou isso em sua manchete. Mais: segundo o Datafolha, um respeitado instituto de pesquisas sobre o qual não recaem suspeitas de qualquer espécie, a diferença registrada entre os dois candidatos é de sete pontos percentuais, o que foge à margem de erro e só reforça a manchete da quinta-feira.
Os leitores com quem conversei por telefone, na quinta e na sexta-feira, sustentam que a Folha pode, com manchetes como essa, alterar o resultado da eleição. Eis aí um mistério. Desde que as eleições diretas foram restabelecidas, a influência das pesquisas de intenção de voto sobre o eleitorado tem sido objeto de polêmicas que não levam a conclusão alguma. Pessoalmente, acho difícil que alguém mude seu voto depois de ler uma manchete de jornal que noticia que um candidato está mais bem colocado que outro nas pesquisas. Mas nem isso justificaria que a Folha deixasse de produzir manchetes como a da quinta-feira. Ela apenas refletia um fato, e um fato jornalístico, ocorrido independentemente da vontade do jornal. Defender sua não-publicação com os argumentos levantados pelos leitores seria ingenuidade tão grande como dizer que, se os jornais pararem de escrever sobre a criminalidade, ela acaba.
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Todos os institutos de pesquisa chegaram ao mesmo resultado sobre as eleições: Lula e FHC estão tecnicamente empatados. E toda a mídia, no momento de interpretar esse resultado para o público, justificou-o com a mesma argumentação: a estréia da nova moeda, o real, teria favorecido a candidatura tucana enquanto as denúncias contra o então vice de Lula, senador José Paulo Bisol, teriam empurrado para baixo o candidato do PT.
É impressionante a capacidade que tem a imprensa brasileira de tomar resultados obtidos cientificamente, nas pesquisas, e interpretá-los como só um batalhão de leigos seria capaz. Que o real favorece a candidatura tucana, ainda passa. Mas que as denúncias contra Bisol atrapalharam Lula a ponto de tirar do candidato seis pontos percentuais (segundo o Datafolha) num período de 20 dias, parece outra ingenuidade.
Mesmo que no Brasil, por força das circunstâncias recentes, um vice-qualquer coisa seja figura importante, apostar em Bisol como a pedra no sapato de Lula é achar que o (e)leitor está muito bem informado sobre os bastidores da campanha. Nenhuma pesquisa mediu as razões pelas quais houve a mudança de votos. Por essa razão, todas as conclusões da mídia sobre essas razões não passam de "chute". A imprensa ainda precisa aprender a aproveitar melhor todas as informações científicas que uma pesquisa pode oferecer como material jornalístico, e parar de apresentar suas conjecturas como se elas fossem notícia.
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Ainda sobre pesquisas: um leitor do Rio telefonou também na quinta-feira, chamando a atenção para uma avaliação do governo Itamar publicada em "O Globo". O jornal destacou em sua capa: "Ibope: Itamar é aprovado por 79% dos brasileiros". Os resultados da pesquisa mostram que 49% dos entrevistados acham o governo Itamar "regular" enquanto 30% o consideram "ótimo" e "bom". O jornal somou os resultados para chegar à conclusão de que 79% dos brasileiros "aprovam" Itamar. "Isso não pode ser chamado de manipulação?", perguntou o leitor.
A rigor, pode sim. Somar "ótimo" e "bom" é coisa que institutos de pesquisa sérios fazem sem problemas, porque as duas avaliações pressupõem aprovação. Já o entrevistado que aponta um governo como "regular" tem, a seu respeito, elogios, ressalvas e críticas. Não pode ser entendido como alguém que endossa o tal governo. Na reportagem sobre a pesquisa, que também mostrava a aprovação do Plano Real (75% dos entrevistados: aqui, sem manipulação), o jornal informou que ela foi encomendada pelo Palácio do Planalto e concluiu: "É o mais alto índice de popularidade alcançado por Itamar em seu governo". Como se vê, a imprensa ainda tem o que aprender até mesmo sobre os resultados científicos das pesquisas.

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