São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Decreto-lei de Berlusconi tentou barrar 'Mãos Limpas'

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano no poder há pouco mais de dois meses, está tentando mudar o Código de Processo Penal da Itália. Sua primeira tentativa –um decreto-lei que proibia a prisão cautelar nos crimes de corrupção– fracassou. A pressão foi grande. Berlusconi foi obrigado a reformular o decreto e transformá-lo em projeto de lei.
No Brasil, uma comissão prepara propostas de alteração da legislação penal. O objetivo é tornar mais eficiente o combate ao crime organizado. Os membros da comissão, nomeados pelo ministro da Justiça Alexandre Dupeyrat Martins, têm a legislação italiana como referência.
Foi essa legislação que, nos últimos anos, permitiu trazer à tona uma gigantesca malha de corrupção, numa operação que ficou mundialmente conhecida como "Mãos Limpas". Parlamentares, ministros, ex-chefes do governo, empresários estiveram na berlinda. Muitos foram presos e interrogados. Alguns chegaram a cometer suicídio.
"O problema é que os juízes e os promotores italianos têm muito poder nas mãos. As prisões cautelares, por exemplo, usadas a torto e a direito podem resultar em injustiças. E no rolo compressor das investigações algumas pessoas foram injustiçadas", alerta o criminalista Paulo José da Costa Júnior, que é membro da comissão brasileira de combate ao crime organizado.
Para ele, a tentativa de Berlusconi de alterar a lei foi equivocada. "Ele deveria ter limitado o poder dos magistrados. Não eliminar o crime de corrupção das hipóteses de prisão cautelar", diz.
A prisão cautelar está disciplinada no artigo 272 do Código de Processo Penal italiano. Ela pode ser decretada quando houver graves indícios de culpa. Quem avalia esses indícios é o magistrado.
A duração da prisão cautelar é proporcional à pena fixada em lei para o delito atribuído ao acusado: vai de três meses a um ano (esta para os casos de pena máxima de 20 anos).
O projeto de lei de Berlusconi mantém o poder discricionário dos magistrados na utilização da prisão preventiva em casos de suborno, corrupção e extorsão que envolvam a administração pública.
Foi a exclusão desses casos da prisão preventiva que permitiu a libertação de cerca de 1.800 pessoas e causou uma grande indignação popular, forçando Berlusconi a recuar.
O novo projeto permite aos magistrados manter suas investigações em sigilo por mais de três meses. O decreto obrigava os magistrados a informar imediatamente as pessoas que estavam sendo objeto de investigações.
Antonio Tomás Bentivoglio, promotor de Justiça do Estado de São Paulo e coordenador geral da comissão, informou que um dos projetos a serem apresentados ao ministro da Justiça estabelece prisão preventiva para funcionário público acusado de praticar ato de enriquecimento ilícito.
Bentivoglio rebate as críticas ao modelo italiano. "Lá só se pode pedir prisão preventiva depois de apresentar a denúncia. Antes, durante o inquérito preliminar, o suspeito é notificado e pode produzir provas durante o próprio inquérito, assegurando já nessa fase preliminar o direito de defesa. Além disso, os tribunais fiscalizam o trabalho dos promotores. Se houvesse abuso, ele seriam responsabilizados", afirma.

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