São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tecnologia contra a barba

NICK COHEN
DO "THE INDEPENDENT"

Há dois fatos indiscutíveis sobre o ato de se barbear. Barbeadores elétricos só funcionam nos rostos de homens cuja barba é tão rala que eles na verdade nem precisariam fazê-la. Já as lâminas funcionam em todos os rostos, mas podem tirar sangue e, por motivos ainda desconhecidos da ciência, sempre deixam falhas.
Em teoria todos os homens sabem que apenas o extremo –e para muitos, inaceitável– remédio de deixar crescer a barba oferece uma solução ao dilema. Na prática, são tão impressionáveis por uma publicidade agressiva quanto as mulheres que eles criticam como vítimas inocentes da moda.
A Gillette vai começar no Reino Unido uma cara campanha publicitária para persuadir os britânicos a comprarem uma nova lâmina, a Sensor Excel. Sem dúvida sua rival, a Wilkinson Sword, vai responder, e os britânicos terão telas de televisão cheias de homens bonitos tendo suas faces lisas acariciadas apreciativamente por também bonitas mulheres.
A nova lâmina vai ser chamada de "revolucionária", "radical", "melhor que as melhores", "um espetacular avanço tecnológico". E também é um produto caro.
A principal inovação técnica que justifica o gasto é um protetor da pele feito de cinco pequenas hastes de borracha que empurram para cima o pêlo da barba para que possa ser cortado rente.
Um teste não científico feito pela glabra equipe do }Independent descobriu que a nova lâmina produz de fato uma barba mais rente do que a rival da Wilkinson Sword que usa um protetor de arame, mas também é mais capaz de produzir um corte.
Bruce Cleverly, o gerente da Gillette no norte da Europa, acredita que sua lâmina fará sucesso, pois houve uma revolução no comportamento masculino no Ocidente. Não se considera mais pouco masculino o uso de loção após a barba (ou melhor, perfume), assim como passar gel no cabelo e corpo ou perder dinheiro se arrumando a cada manhã.
Ele pode até estar certo, e isso justificará os quatro anos que os laboratórios da Gillette passaram desenvolvendo o produto.
Mas o que mais surpreende sobre o barbear é que não existem sociólogos-pop prontos a apoiá-lo com previsões sobre qual caminho seguirá a moda de faces limpas ou barbadas, e o que isso significa.
Compare esse silêncio com as infinitas análises da moda feminina. Já virou hábito proclamar o que as coleções de Paris e Milão têm a dizer sobre os gananciosos anos 80, ou os mais solidários anos 90 ou seja lá o que for. De fato, é difícil imaginar como tantas páginas de moda e cursos de estudos culturais poderiam sobreviver sem essas exposições.
Mas sobre as costeletas com quem os homems brigam toda manhã não há nada. A ciência ignora o barbear.
Thorsten Sjolin, autor de um estudo sobre o barbear de 1983, abre sua monografia com um lamento. }Muito pouco foi escrito sobre a história do barbear, um assunto muito interessante, segundo ele, parte de nosso legado técnico.
Sua bibliografia indica o descaso. Ele conseguiu encontrar apenas oito obras publicadas sobre o tema nos EUA e na Europa, incluindo alguns estudos até agora negligenciados, como }Antigas Canecas de Barba dos Estados Unidos, por Robert Blake Powell (edição privada, 1972, Hurst, Texas).
O silêncio é misterioso. Fazer a barba, quando olhado de modo racional, é algo muito peculiar. Pois 93% dos homens –muitos dos quais têm tanto medo de ficar careca que pagam dinheiro a qualquer picareta que prometa seus cabelos de volta– cortam 15 mil pêlos de barba a cada manhã.
Um homem gasta seis meses para fazer a barba em toda sua vida, para remover 70 cm de pêlos.
O fato de o homem europeu fazer barba desde a Idade do Bronze permite inúmeras especulações.
São as barbas sinais de virilidade, como alegam os barbados? Não necessariamente. Os gregos tinham barbas mas os também marciais romanos eram glabros.
São barbas e cabelos compridos sinais de valores libertários? Faz sentido no século 20, como uma reação contra o recrutamento militar com seus cabelos curtos e face rapada. Mas a longa era vitoriana do século 19 foi a época do conformismo moral e do poder imperial europeu. E foi o auge da barba.
Entre 1840 e 1890 as barbas eram quase que compulsórias. Em 1853 mesmo o Departamento da Guerra britânico teve de permitir aos soldados usarem barbas.
O triunfo da barba era apoiado pela pesquisa médica. Mercer Adam, médico escocês, se perguntava em 1861: Por que devemos nos barbear? Por que desnudar o queixo e deixar a cabeça intacta? Será que o uso da lâmina é sancionado pela antiguidade, ou necessário para o conforto e saúde?.
Não, certamente não, respondeu ele. Os perigos da lâmina de barbear podiam claramente ser vistos ao se examinar os casos de homens cuja saúde entrara em colapso depois de tirarem a barba.
Esse apoio dogmático à barba seria talvez um sinal de diferença racial, alardeado como exemplo da superioridade européia em face dos chineses, esquimós ou índios incapazes de ter uma barba cerrada?
Aparentemente, não. Segundo o pesquisador Mick Cooper, psicólogo da Universidade de Sussex e especialista em estudos masculinos, é impossível detectar algum significado na decisão de se barbear ou não através do tempo ou de diferentes culturas.
Em períodos curtos pode-se perceber sentido em algumas tendências. Desde os anos 60, barbas têm saído de moda. Pode-se associar a cara limpa com a reação dos anos 70 contra os hippies. Pode-se argumentar também que em uma recessão os homens tendem a preferir a aparência mais convencional possível para garantir que consigam, e mantenham, seus empregos.
Se for convencional deixar crescer uma barba –assim como é convencional deixar crescer o bigode no Oriente Médio–, os homens se esforçarão para fazê-lo. Moda, pura e simples, sem explicações sociológicas, parece ser a resposta.
Cooper tem uma outra interpretação, potencialmente ofensiva aos barbados. Muitas pesquisas mostram a importância da boa aparência. Pessoas bonitas ganham mais e convencem os jurados em um julgamento com mais facilidade, crianças bonitas recebem mais atenção dos professores.
Segundo Cooper, nessas circunstâncias a barba seria uma }máscara inconsciente que protegeria os homens da desvantagem de um rosto feio.

Texto Anterior: Quais os movimentos da Lua?
Próximo Texto: UN AÑO DE AMOR
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.