São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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AUTOBIOGRAFIA

PEDRO ALMODÓVAR
ESPECIAL PARA "EL PAÍS

Nasci em La Mancha há quatro décadas. Apesar de tê-las vivido intensamente, não consegui paz interior. Vivo os oito primeiros anos da minha vida em meu povoado natal. Deixam-me uma marca profunda e as primeiras indicações do tipo de vida que não quero para mim.
Depois me mudo com minha família para a Estremadura, sem um tostão (Madrigalejo, Cáceres). Faço o ginásio e o segundo grau. E datilografia. Esta última é a única coisa que me serviu no futuro.
En Cáceres recebo (maneira de dizer) educação religiosa; salesiana, para ser mais preciso. Aos 11 anos, diante da ausência de manifestações divinas, deixo de acreditar em Deus.
O cinema ocupa seu lugar. Um pouco antes, descubro a leitura através da coleção Reno, pela mão de Júlio Verne, Françoise Sagan, Mika Watari, Herman Hesse, Lahos Zilahy e Walter Scott. Não me lembro de ter tido brinquedos na minha infância, e também não me lembro de brincar com meninos. Desde pequeno, meu espetáculo favorito é escutar a conversa das mulheres.
Aos 16 anos, rompo com a família, que havia me preparado um futuro como funcionário de um banco do povoado, e venho a Madri, para conquistar um presente mais de acordo com minha natureza.
Venho decidido a trabalhar e estudar, mas viver me rouba as 24 horas do dia. Ainda assim tenho que extrair de onde possa oito horas para trabalhar diariamente na Telefônica, como auxiliar administrativo. Interrompido por diversas licenças, o trabalho dura 12 anos.
A experiência não é tão negativa quanto pode parecer à primeira vista. A Telefônica me proporciona informação de valor incalculável sobre a classe média baixa espanhola.
Compro uma câmera Super-8 e começo a filmar. Até agora, dez filmes em formato comercial e um monte de filminhos de Super-8. Não sei onde arrumo tempo, mas também me enrolo no grupo de teatro Los Goliardos e todos os dias escrevo alguma coisa.
Alguns textos aparecem em revistas tipo "El Víbora". Começo a me relacionar com o underground de Madri e de Barcelona (Mariscal, Nazario, Ocana etc.)
Vivo intensamente a explosão madrilenha de 1977 até 1983. E participo ativamente de tudo que cheire a diversão. Faço fotonovelas pornopunks para "El Víbora". Canto. Danço. E escrevo em jornais e revistas, sempre sobre mim ou sobre o que quiser. Parte dessa obra é reunida em livro.
Atuo com o grupo Almodóvar-MacNamara, destroçando todos os gêneros, do pop ao rock mais sujo, passando pelas rancheras. Gravamos dois discos curtíssimos, com letras dadaístas –discos que agora só se conseguem em bancas de segunda mão a 10 mil pesetas.
Cinco amantes. Engordo. Escrevo e faço filmes. Triunfo fora e aqui. E de repente me vejo nos anos 90. Continuo filmando. Agora, "Kika". Não me sinto feliz; entretanto, acho que sou um homem de sorte.

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