São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Adeus, janelas

Sérgio Augusto
RIO DE JANEIRO - Há quase 30 anos, o humorista Jules Feiffer escreveu uma peça intitulada "Little Murders", que, com o título de "Pequenos Assassinatos", chegou aos nossos cinemas e, mais tarde, aos nossos teatros. Era uma comédia de humor negro, talvez um clássico desse gênero. E, certamente, a mais delirante fantasia sobre a violência urbana até aquela data.
Para se ter uma idéia: os personagens viviam entocados em seus apartamentos, com medo de serem alvejados por um tiro. Não podiam dar sopa em janelas e arrastavam-se pelo chão da sala que nem soldados em campo de batalha. Uma Bósnia "avant la lettre"; ou melhor, "avant le deluge".
O que parecia uma caricatural distopia no final dos anos 60 está se tornando realidade nos anos 90. Não em Nova York, mas em certas regiões da zona sul do Rio. Principalmente em alguns trechos de Botafogo, Copacabana, Rocinha e Leblon, os bairros mais perigosos da cidade, segundo pesquisa do serviço de documentação do hospital Miguel Couto, divulgada anteontem.
Curiosidade: a presença, em quinto lugar, da Barra da Tijuca, glorificada pelos novos-ricos como o bairro mais seguro da cidade. Laranjeiras, Ipanema e Lagoa são, segundo a pesquisa, menos perigosos que a Barra.
Consequência imediata: os preços de vendas e aluguéis de apartamentos nos trechos mais expostos a balas perdidas despencaram no mercado. Apartamentos avaliados em R$ 150 mil valem hoje a metade. Pequenos assassinatos, grandes descontos. Quem sabe, um dia, a Editora Globo não lança até uma revista com esse nome?
Para amenizar o prejuízo, o prefeito César Maia decidiu reduzir o IPTU dos prédios desvalorizados. As vítimas, penhoradas, agradeceram o paliativo, mas avisaram que ainda preferem pagar o IPTU integral em troca de segurança.
Em outros tempos, alguém sugeriu que se pintassem as favelas de amarelo para agradar a vista dos turistas. Meses atrás, a prefeitura carioca ameaçou resolver os problemas de desmatamento e ocupação anárquica de um dos mais belos recantos do Rio (o morro Dois Irmãos) entregando-o a um complexo hoteleiro. De paliativo em paliativo, acabaremos chegando à proibição de janelas em todos os prédios.

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