São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Governo de reformas e as duas inclusões

JOSÉ GENOINO

A atual campanha eleitoral poderá representar um salto de qualidade nos costumes políticos brasileiros. Por duas razões, que se condicionam reciprocamente: a) as experiências traumáticas da vitória e do impeachment de Collor e a CPI do Orçamento produziram um eleitorado mais exigente em relação a propostas exequíveis de governo; b) em decorrência, candidatos e partidos obrigam-se a discutir com mais racionalidade e responsabilidade suas propostas.
A sensibilidade da opinião pública democrática inclina-se a negar o intervencionismo estatal, que articula duas deformações: 1) o fisiologismo, que no último meio século serviu aos interesses das elites predatórias, provoca a falência do Estado e produz beneficiários do poder e excluídos do bem-estar; 2) o corporativismo, que estabelece uma forma burocrático-estatal de gestão, produz os seus privilegiados e restringe a eficácia dos setores público e privado.
Além disso, nega também o caminho neoliberal que propõe um Estado mínimo e ajustes econômicos à custa de recessão, desemprego, perdas salariais e descompensação social.
Do próximo governo a sociedade espera um programa de estabilização econômica e monetária que reduza a inflação de forma duradoura, reservando um papel de coordenação e de financiamento de políticas sociais para o Estado.
O programa deverá visar o crescimento econômico e a recuperação da capacidade do Estado de financiar-se de modo adequado e não-inflacionário. Deverá levar em conta também que a globalização da economia é um dado da realidade e por isso terá de indicar caminhos de integração não-subalterna do Brasil no contexto internacional.
O segundo grande tema do debate eleitoral será a questão social. Um programa de estabilização econômica e monetária é insuficiente, já que os ajustes tendem a agravar a crise social no país. Se é verdade que sem crescimento econômico não há distribuição de renda, o crescimento, por si só, não significa distribuição de renda.
Um estado racionalizado e eficiente terá de financiar políticas sociais compensatórias e investir nas áreas de educação, saúde, moradia e pesquisa científica. Seria ilusão, contudo, pensar que somente através da ação do Estado é possível fazer frente ao apartheid social. O Estado não tem o monopólio da constituição da cidadania; esta deve contar também com o concurso do mercado e dos agentes sociais e econômicos.
É certo que nos países desenvolvidos a dinamização da economia e a modernização tecnológica geram desemprego. Este efeito faz-se sentir também em países em desenvolvimento como o Brasil. Mas numa economia com imenso potencial como a nossa, a médio prazo, muitos empregos podem ser gerados com a democratização da propriedade e da riqueza, com a emergência de novos agentes de produção e com políticas macroeconômicas orientadas para o crescimento. Empregos significam inclusão social, econômica e cultural.
O terceiro tema que os presidenciáveis têm de enfrentar é o da reforma do Estado e da Constituição. Nenhum programa de estabilização terá êxito e nenhuma guerra contra o apartheid será levada a efeito sem a modernização e democratização do Estado.
As propostas têm de ser debatidas substantivamente. Por exemplo: o Estado será capaz de superar a crise fiscal sem um novo pacto federativo que compatibilize receitas e encargos entre as três esferas da Federação? Como equacionar o problema da vinculação entre salário mínimo e Previdência sem que a elevação do primeiro represente a quebra da segunda? Como financiar de forma adequada a Previdência? E as privatizações? As reformas políticas também terão de ser debatidas, com destaque para as relações entre os três poderes.
O quarto grande tema da campanha será o da moralidade. Infelizmente estará posto sobre um terreno pantanoso. Procurou-se difundir a idéia de que todos os políticos são corruptos e, agora, todos os candidatos apresentam-se como honestos. O eleitor terá de fazer um exercício de argúcia para impedir que o passado recente de alguns políticos se apague.
Imoral não é apenas aquele que lança mão de meios ilegais para obter vantagens. Imorais são também aqueles que patrocinaram a sonegação fiscal e as práticas fisiológicas para favorecer as oligarquias.
Diante da tendência de polarização entre Lula e FHC, se disse em artigos na Folha que as duas alternativas são insatisfatórias. Lula representaria a tentativa da inclusão social com a exclusão internacional. FHC representaria o inverso. Acredito que a candidatura Lula pode e deve representar as duas inclusões. Lula, não há dúvidas, é o mais autêntico representante da luta pela inclusão social.
Sem assumir os delírios primeiromundistas de Collor, penso que o programa do PT deve optar por uma política de integração não-subalterna à globalização da economia.
O apartheid mundial, a diferença entre riqueza e bem-estar do Primeiro Mundo e a miséria da maioria das pessoas que vivem no Terceiro Mundo é o mais profundo e difícil problema da humanidade no presente. Não será através da bipolarização Norte/Sul, ricos/pobres, que este problema terá algum tipo de resolução. O eixo da confrontação não oferece nenhuma saída.
Somente a integração e a solidariedade entre as sociedades poderão indicar caminhos e soluções. Afinal, junto com a economia, globalizaram-se também os problemas da humanidade. A pressão migratória, a Aids e a ecologia são exemplos disso. Democracia, direitos humanos, bem-estar, acesso ao consumo e à tecnologia são valores e bens que devem ser universalizados também no Terceiro Mundo.

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