São Paulo, domingo, 31 de julho de 1994
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Não é comigo

CAIO TÚLIO COSTA
DOIS EXEMPLOS DO BRASIL DE HOJE PARA ANIMAR NOSSA CONVERSA:

Primeiro: o presidente Itamar Franco andou falando, para mais de um interlocutor, que a liberação das bagagens de jogadores, cartolas e caronas da CBF não teve sua aprovação, que ele não sabia de nada etc. e tal. Chegou a mandar o Itamaraty instruir seus embaixadores, porque a imprensa estrangeira culpou-o do privilégio injusto dado aos tetracampeões e adjacências. Itamar não quer ser visto como o culpado da besteira que acabou deixando fora do governo o único correto no caso, Osiris Lopes Filho.
Segundo: Luiz Inácio Lula da Silva levou exatos 30 dias para trocar o seu vice, José Paulo Bisol, acusado de beneficiar a si mesmo com emendas no Orçamento da União e de ter obtido empréstimos com privilégios. Lula esperneou, disse em público que não queria a saída de Bisol etc. e tal. Um mês depois que a primeira denúncia veio a público (em 26 de junho passado) ele capitulou e o PT acabou trocando Bisol por Aloizio Mercadante.
Pois bem, o presidente da República não se sente nem um pouco responsável pelo degradante episódio das bagagens. Lula mostrou sua total falta de agilidade em resolver crises e até achava que Bisol deveria continuar o vice.
Ambos dão demonstração de inapetência para a função que o primeiro exerce e o segundo deseja. Denotam a má consciência, comum àqueles que têm o sentimento da culpa e do erro. A má consciência, definiu Nietzsche, é "doença grave, sequência inevitável da pressão que exerce sobre o homem a mudança mais profunda entre todas aquelas que ele jamais viveu". É uma consciência fracassada.
Consultado no caso Itamar, o povo mostrou em pesquisas que era majoritariamente contrário à liberação das bagagens. O povo homenageia e vai à praça saudar seus ídolos, sim, mas quer também que eles cumpram a lei.
No caso Bisol, o povo transferiu votos para outros candidatos e acabou beneficiando Fernando Henrique, agora tecnicamente empatado com Lula nas pesquisas de opinião –o mesmo Lula que liderava com folga a corrida ao Planalto.
O que irrita nestes dois episódios não é a semelhança entre as duas personalidades, Itamar e Lula, mas que ambos não se mostrem dispostos a assumir responsabilidades. Lula jogou para a coligação que o apóia, várias vezes, o problema Bisol. O próprio Bisol assumiu que fez as emendas sob suspeita e isto bastava para Lula decidir. Idem no caso Itamar: a tralha importada foi liberada sem inspeção por funcionário do governo e Itamar é o chefe de todos; tem de fazer algo e não enrolar o país com "comissão" de apuração.
Os dois casos mostram que na hipótese de um governo Lula teremos outro Itamar no Planalto, outra pessoa carregada de má consciência que não toma atitude, diz que não é com ele e, quando toma, leva um mês para decidir.
Não se pede um presidente duro ou autoritário, daqueles que não erram. Pede-se, sim, alguém com capacidade de decisão e de chamar a si as responsabilidades. Sorte tem o Brasil de ter entre seus problemas mais polêmicos, hoje, Bisol e as bagagens. Enquanto isso, o mundo vai sentindo bater à sua porta o fantasma do nazismo, materializado em bombas que matam em qualquer hemisfério.

Ilustração: "Portrait (Red I)", 1986, Fotografia de Morimura Yasumasa

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