São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994
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Pesquisa descobre os chineses

HELCIO EMERICH

Um país com um potencial de 1,2 bilhão de consumidores deve ser um terreno fértil para uma empresa de pesquisa de mercado, principalmente quando se trata de uma nação onde, até então, não havia o costume de se ouvir a opinião pública sobre rigorosamente nada.
É claro que estamos falando da China, que este ano abriu suas portas para o instituto de pesquisas Gallup, dos EUA.
Na verdade, já havia um grupo similar operando lá desde 84, o Survey Research Group, com atuação restrita a levantamento tipo "store audit" nas províncias de Xangai e Pequim.
Não foi fácil para o Gallup. Em 1979, quando Deng Xiaoping, patriarca do Partido Comunista Chinês, resolveu introduzir no país as primeiras reformas para tornar a economia mais competitiva, as negociações do governo com as multinacionais privilegiavam apenas as associações no setor da indústria pesada, no qual os resultados pareciam às autoridades chinesas mais rápidos e tangíveis do que na área de serviços.
O próprio Survey Research Group enfrentou obstáculos para realizar os levantamentos de estoques no varejo: a cada nova pesquisa, era obrigado a submeter previamente seus formulários e depois os resultados às autoridades chinesas, enveredando por um emaranhado burocrático que não raramente levava meses de negociações até a aprovação final.
Vencida a resistência inicial, o Gallup se defrontou com outros problemas. O primeiro foi a dificuldade no recrutamento de pessoal qualificado para o trabalho de campo e para a análise das pesquisas.
O instituto conseguiu contratar um número razoável de competentes cientistas sociais chineses. Esses profissionais até que poderiam entender de estatísticas ou saber desenhar um questionário. Mas não tinham qualquer familiaridade com as técnicas dos países do Ocidente, como "pricing analysis", "brand equity" e outras.
E haviam também as diferenças culturais. Enquanto os consumidores americanos, de ambos os sexos, respondem a tudo o que lhes é perguntado –desde aspectos de sua vida financeira até detalhes da higiene íntima das mulheres–, os chineses não gostam da idéia de revelar a estranhos o que pensam e o que gostam.
Os pesquisadores não podem ir direto a certos assuntos. É preciso quase sempre deixar de lado a técnica e usar uma boa dose de intuição, abordando o cidadão chinês de forma didática, muito mais como educadores do que como entrevistadores (de certa forma, esse é um quadro parecido com aquele que o doutor Gallup encontrou na sociedade americana, quando começou a fazer pesquisas de mercado em 30).
Fazer pesquisas por telefone, então, nem pensar. Na América, 93% dos domicílios têm um ou mais telefones, mas na China só 7% das residências contam com essa facilidade. E o Gallup descobriu ainda que o retorno de questionários enviados por mala-direta aos consumidores chineses é quase nulo.
Resta acrescentar que as autoridades locais se mantém irredutíveis em relação a qualquer tentativa do instituto de abordar nas pesquisas os chamados "temas sensíveis", que são os de natureza política.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna Criação & Consumo

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