São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994
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Hollywood e Europa se defrontam no vídeo

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com o início, amanhã, do horário eleitoral gratuito, está aberta a temporada de caça ao vídeo.
Entre as mais sedutoras novidades das locadoras estão duas fitas que têm o mesmo título ("O Silêncio do Lago"), são dirigidas pelo mesmo cineasta (o holandês George Sluizer) e contam a mesma história. Mas são dois filmes completamente diferentes. Assistir aos dois vale por uma aula de cinema.
Em ambos, um psicopata sequestra uma moça praticamente nas barbas do marido desta, que passa os anos seguintes tentando obcecadamente encontrá-la ou, ao menos, entender o que aconteceu.
Na primeira versão –uma co-produção franco-holandesa de 1988–, compõem o casal-vítima os holandeses Saskia (Johana Ter Steege) e Rex (Gene Bervoets), em férias na França. O sequestrador é o aparentemente pacato professor de química Raymond Lemorne (Bernard-Pierre Donnadieu), que tem mulher, filhinha e uma casa no campo.
Na segunda versão –rodada nos EUA em 1993–, a sequestrada é Diane (Sandra Bullock) e seu marido é o escritor Jeff (Kiefer Sutherland). O vilão é o professor Barney (Jeff Bridges), também químico, casado, pai etc.
O modo como o sequestro é praticado, as obscuras motivações do autor, a obsessão investigativa do marido –tudo isso é igual nos dois filmes, só que embaralhado de maneira totalmente diversa.
É difícil imaginar uma demonstração mais clara de que cinema não é apenas história, enredo, assunto, mas principalmente ritmo, ordenação, ênfase, movimento.
Algumas diferenças entre as duas versões são ilustrativas. Na européia, começa-se com o jovem casal, que passa por uma crise afetiva. O vilão aparece só depois de uns 15 minutos, num "flash", colocando um falso gesso no braço. Aguça-se a curiosidade do espectador, que só vai descobrir muito depois o porquê da encenação.
A versão americana já começa focalizando o vilão, e o desenvolvimento da ação é absolutamente linear. Quando acontece a mesma cena do falso gesso, o público já sabe o que ele pretende e como o fará. Sabe também que a vítima poderia ser qualquer mulher.
Outra mudança importante é a ênfase dada no remake americano à segunda mulher de Jeff (Nancy Travis). Quase dispensável no primeiro filme, aqui ela acaba tendo um papel decisivo na investigação e no seu desenlace –situação condizente com a correção política pró-feminista em voga nos EUA.
Mas onde os filmes são mais diferentes é na sua última quarta parte. Na versão americana, ela se compõe de pura ação, com tudo o que isso implica de sangue, porrada, sustos e reviravoltas –e também de inconsistência, infantilidade e maniqueísmo. A simplificação é tamanha que Jeff Bridges passa os últimos 20 minutos com o rosto deformado, como convém a um agente do Mal.
Uma versão tem final feliz. Um saco de pipocas para quem adivinhar qual das duas.

Vídeo: O Silêncio do Lago (The Vanishing)
Produção: França/Holanda, 1988, 102 min.
Direção: George Sluizer
Elenco: Gene Bervoets, Bernard-Pierre Donnadieu, Johanna Ter Steege
Lançamento: NCA
Vídeo: O Silêncio do Lago (The Vanishing)
Produção: EUA, 1993, 110 min.
Direção: George Sluizer
Elenco: Jeff Bridges, Kiefer Sutherland, Nancy Travis
Lançamento: Abril Vídeo

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