São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994 |
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"Opinião" lança bossa nova no pornô
LUÍS ANTÔNIO GIRON
O show foi escrito por Oduvaldo Viana Filho, Armando Costa e Paulo Pontes. Teve direção de Augusto Boal, que na época trabalhava no Teatro de Arena de São Paulo. Foi a primeira tentativa de engajar politicamente a música popular num espetáculo teatral profissional, cheio de textos e palavras de ordem. Resultava de dois anos de pesquisas dos seus idealizadores junto aos CPC (Centros Populares de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes), que objetivava fomentar a arte engajada nacional-populista. Tudo começou com o compositor Carlos Lyra em 1961. Ele foi o primeiro compositor de bossa nova a romper com o gênero. Ele fundou os CPC e denunciou a influência do imperialismo no ritmo que ajudou a criar. "Opinião" representou a massificação do protesto. Deu a largada para várias empreitadas semelhantes que culminariam em 1968 com o Festival Internacional da Canção, em que Geraldo Vandré encerraria o ciclo da canção de protesto com "Pra Não Dizer que Não Falei de Flores". O espetáculo estreou em dezembro de 1964 e foi um sucesso de público. Até meados do ano seguinte iria a São Paulo e Porto Alegre. O público em um ano foi de cem mil espectadores. A burguesinha Nara e amigos populares misturaram os ingredientes formadores do sarapatel sonoro que partiu a bossa nova e gerou a canção de protesto e, portanto, o gênero conhecido como MPB. É como se a atual musa da classe média, Marisa Monte, fizesse um show com o arretado Genival Lacerda. Nara trocou a música de apartamento pela do morro, virou a "musa do protesto" e passou a fazer declarações públicas contra a bossa nova. Mas a ruptura foi menos musical do que ideológica. A bossa dava base harmônica e instrumental. A influência do forró é quase uma citação. O samba vira bibelô. A temática, sim, sofreu alteração. Amor, flor e mar deram lugar à terra arrasada, seca, política e à pornografia, à música de segundo sentido safada do nordeste. Ouvir o disco hoje é uma tortura aos ouvidos. Numa única faixa de 45 minutos cabem 24 músicas, slogans, gritos, piadas sujas ao gosto do populacho. "Carcará", cantado por Nara é mais agressivo do que a versão famosa de Maria Bethânia (que seria lançada no espetáculo em 1966). Como se exorcizando da condição burguesa, Nara passa o show aos berros, implorando o perdão do proletariado. Justifica-se antes cada música. Começa fazendo uma profissão de fé: "Eu quero cantar toda música que ajude a gente a ser mais brasileiro. Que faça todo mundo querer ser mais livre"'. Nesse instante, o coro corta a fala da cantora e canta: "Mulher que fala muito perde seu amor". Referências sobre amor e sexo carregam o disco. O substrato não é tanto o protesto como a insinuação da safadeza, o convite ao amor livre. João do Vale canta em "Peba na Pimenta": "Ai, ai, seu Malaquia/ Você diz que não ardia/ ai, ai, tá ardendo pra daná/ ai, ai, tá me dando uma agonia". O público cai na gargalhada "Mas na hora da coisa ela fica com coisa e não quer amor/ Xô, Xô, barata, nas cadeiras da mulata", diverte Zé Kéti em "Partido Alto". A fim de "conscientizar" a platéia, os artistas lançavam mão do erotismo grotesco do camponês e do malandro. Ao fundamentalismo nacional-popular se uniu à lascívia ancestral brazuca. Na origem do panfletarismo, lá estavam os símbolos fálicos, usados como estandartes da utopia. O CD prova que a bossa nova pornô-engajada é a MPB. Disco: Show Opinião Músicos: Zé Kéti, Nara Leão, João do Vale, Dori Caymmi (violão), Francisco Araújo (bateria), Carlos Guimarães (flauta) e Iko Castro Neves (contrabaixo) Direção: Augusto Boal (cênica) e Dori Caymmi (musical) Lançamento: Polygram/Philips Quanto: R$ 15,00 (o CD, em média) Texto Anterior: Blur muda para sobreviver na Inglaterra Próximo Texto: João Bosco paralisa os ouvidos no CD "Na Onda que Balança" Índice |
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