São Paulo, segunda-feira, 1 de agosto de 1994
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Entre o céu e a terra

Passado um mês de real, predomina o sentimento de alívio, ainda que o horizonte permaneça coberto de incertezas cruciais. Mais que alívio até, cada consumidor parece sentir-se investido de uma nova percepção do que seja o valor das coisas. Ficou mais fácil memorizar preços e, portanto, pesquisar oportunidades. Tornou-se possível dosar as compras, com cautela. Diminuiu a ansiedade com o saldo bancário, obviamente entre os que têm acesso a essa comodidade.
Desde o real, o valor da cesta básica vem caindo (a queda acumulada em julho atingiu 4,2%). É pouco ainda, diante da remarcação desenfreada que ocorreu no final de junho e início de julho. O aumento em junho chegou a 10,39%, e no primeiro semestre o aumento acumulado atingiu 19,96% acima da inflação, segundo o Procon. Há ainda uma "gordura" nos preços, mas a tendência é de queda.
Houve também uma alta de 18% nas compras a crédito e, com a queda nas vendas, generalizam-se as promoções e ofertas. Mas o consumidor parece razoavelmente alerta às altas taxas de juros implícitas nesses parcelamentos. A consequência, em termos de atividade econômica é, por enquanto, melancólica: aumenta o número de empresas que concedem férias coletivas a seus trabalhadores.
O maior sucesso nessas primeiras semanas, entretanto, está na forma encontrada pelo governo para lançar a chamada "âncora cambial". Surpreendendo o mercado, o Banco Central sancionou uma taxa de câmbio em que o real vale mais que o dólar. Na prática, isso significou um desestímulo à entrada de recursos externos que, nos últimos meses, vinham impedindo o controle da quantidade de dinheiro em circulação. De fato, o BC partiu para uma política de juros agressiva. Fixou metas conservadoras de expansão da oferta de reais. Chega mesmo a criar o risco de uma recessão nos próximos meses.
A partir de agora, novas decisões devem ser tomadas. Ainda na área financeira, surge o fantasma de se confundir a gestão de riscos no sistema com a prática tradicional de socorro casuísta a instituições ineficientes. Na área fiscal, o Tesouro revela que o déficit de caixa tem sido crônico. E é preciso lembrar também que o próprio plano traz ainda uma forma de indexação salarial, ao garantir reposição da inflação medida pelo IPC-r nos dissídios de cada categoria.
Há portanto muito a fazer, mas as perspectivas são boas. De resto, os economistas parecem estar aprendendo que há mais mistérios entre o sucesso e o fracasso do que supõe sua vã filosofia.

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