São Paulo, terça-feira, 2 de agosto de 1994
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O programa que mudou o Brasil - 10

LUÍS NASSIF

Fernando Collor assumiu a presidência com uma intuição clara sobre o que pretendia com o país, mas com uma tática de confronto que o levou a colidir com inúmeros setores.
Um dos mais atacados foi a indústria automobilística, que passou a ser alvo de campanhas sistemáticas contra as "carroças".
Num certo momento, houve uma virada fundamental na posição do governo. O confronto foi substituído por palavras de entendimento.
A virada foi provocada por um documento preparado pelo subsecretário de Política Econômica, Antônio Maciel, que a secretaria Dorothéa Werneck apresentou em uma reunião da equipe econômica, que aprovou a redução dos tributos do setor. O próprio Collor leu o documento e concordou em parar de atacar o setor automobilístico.
O documento, inédito até hoje, intitulava-se "Setor Automotivo: Situação Atual e Alternativa Estratégica". É de 9 de março de 1992.
Inicialmente lembrava se que o setor experimentou nos últimos anos um conflito generalizado e permanentes entre todos os atores. "Os trabalhadores fazem manifestações, diminuem a produtividade e recorrem às greves. Os empresários aumentam os preços de forma absurda. O governo aumenta a carga tributária e ameaça com redução de alíquotas dos impostos de importação. A imprensa joga lenha na fogueira, estampando o conflito nas primeiras páginas", dizia ele.
O resultado da guerra era a falta de investimentos, a defasagem tecnológica na produção e a ausência de novos modelos.
Depois, listava aspectos negativos e positivos do setor.
O entendimento
Na sequência, propunha a substituição do conflito generalizado e permanente por uma alternativa estratégica que "conduza à parceria pela competitividade em todas as direções, privilegiando as as relações trabalhistas e comerciais no longo prazo, buscando obstinadamente a cooperação entre todos os elos da cadeia produtiva e colocando o consumidor como referência fundamental para todas as decisões".
O papel dos governos federal e estaduais seria reduzir as alíquotas do IPI e do ICMS, como forma de incentivar a redução de preços, entre outras providências.
Ao empresário caberia o compromisso de evitar aumentos de preços, buscando maior volume de produção com margens menores, garantir a arrecadação com mais vendas, empenhar-se na construção de relações cooperativas com o trabalho, comprometer-se com o PBQP (Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade) e empenhar-se para viabilizar aumento real de salários ao longo do tempo.
Aos trabalhadores pedia-se compromisso com o PBQP, melhoria no relacionamento com o capital, evitando conflitos e, em particular, as greves.
Foi esse cenário previamente preparado, de indução ao entendimento, que permitiu o aparecimento político de Vicentinho. Nem antes, nem depois, Vicentinho conseguiu repetir a performance da câmara setorial da indústria automobilística, quando surpreendeu o país com uma visão de estadista.
Hoje em dia, como presidente da CUT, limita-se a pequenas jogadas de esperteza política, um grande ator político vivendo papéis sem importância.
O que comprova, apesar das resistências do prezado economista Chico de Oliveira, que o papel que Vicentinho desempenhou só foi possível dentro do roteiro de modernidade desenhado no governo Collor.

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