São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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O real e a classe contábil

MIGUEL ROBERTO GHERRIZE

Muito se tem dito sobre o real e pouco sobre a conduta ética dos profissionais encarregados de registrar e ajustar as contas das empresas para demonstrar os resultados do novo plano.
A contabilidade das empresas passou por um processo de transformação nos últimos anos e, exceto pelas companhias abertas que utilizam eficientemente o sistema de correção integral, todas as demais empresas têm apenas uma vaga idéia do que está acontecendo com suas operações, pois suas demonstrações contábeis não refletem a realidade econômico-financeira.
Os seus planos continuam sendo orientados muito mais pelo sentimento dos "donos" do que pelas informações contábeis. Reconhecer esta situação é muito triste. Porém, muito mais doloroso é saber que a classe contábil não reage com firmeza para impor técnicas modernas de reconhecimento dos efeitos inflacionários.
Esperamos que o Plano Real tenha sucesso suficiente para reduzir significativamente a inflação. Isto eliminaria um problema sério da contabilidade no Brasil e os profissionais poderiam trabalhar com valores comparáveis e apresentar resultados corretos.
Para tanto, a classe contábil precisa ser convocada a cooperar com o governo nesta tarefa de eliminar os efeitos inflacionários. Como fazer isso?, perguntaria o contabilista. A resposta é simples.
Apresente valores corretamente ajustados, não exagere e nem faça previsões pessimistas. Assuma sua função de registrar com fidelidade as transações da empresa. Seja um baluarte no combate à sonegação e valorize os conceitos da ética profissional. Afinal, seu nome está em jogo.
A classe contábil poderá se transformar em fator importante, talvez até preponderante, para o sucesso do Plano Real. Por outro lado, o governo deveria estar mais aberto às necessidades das empresas e facilitar o registro das operações atentando muito mais para a técnica contábil do que para a arrecadação.
Hoje, no Brasil, o que se faz em contabilidade oficial é atender exageradamente as normas estabelecidas pela Receita Federal, pois o "leão" está sempre atento a cobrar impostos. Isto inibe conceitos modernos contábeis, quando resulta em maior tributação para as empresas.
O Plano Real promete ser um marco na economia do país e seria muito importante que o governo aproveitasse esse momento para revisar os conceitos de tributação do lucro real.
A verdade merece ser dita: nossa legislação tributária é muito complexa e injusta, pois favorece aqueles que conseguem interpretá-la e planejar suas operações para pagar menos imposto, enquanto induz os outros à sonegação, por falta de conhecimento técnico e dificuldades de interpretação.
Se falamos em ética profissional aos contabilistas, o mesmo se aplica aos profissionais que se preocupam com o sistema de arrecadação. É hora de mudar. Por quê não aproveitar o Plano Real e iniciar um processo de reformulação do sistema tributário?

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