São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Os equívocos de Aloizio

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS ; MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS e MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS
Em recente artigo neste jornal (17/07/94, "O real e a belíndia"), o deputado Aloizio Mercadante, agora candidato a vice-presidente na chapa de Luiz Inácio Lula da Silva, refletindo a posição de seu partido, faz forte crítica ao Plano Real.
O argumento de Aloizio é centrado em cinco pontos fundamentais:
1) Em primeiro lugar coloca que o ajuste fiscal não foi feito e que portanto o plano de estabilização se transformou em plano de passagem;
2) Posteriormente argumenta que o plano, mais uma vez, implicou perda do poder aquisitivo dos salários;
3) O terceiro ponto destacado é o de que a política cambial adotada implica defasagem cambial que fará desabar o saldo comercial, com consequências nefastas sobre o setor exportado e a atividade produtiva;
4) Em quarto lugar diz que o Plano Real implicou o congelamento, em um nível perverso, da distribuição de renda entre lucros e salários;
5) Por fim, o argumento se finda com a afirmação de que o conjunto de medidas do real implicará a desestruturação da atividade produtiva, recessão e desemprego.
O conjunto do argumento apresenta duas contradições importantes:
1) A defesa de um saldo comercial alto é inconsistente com a posição do deputado pois saldo elevado implica o crescimento das reservas e fortes pressões monetárias que resultam em elevação das taxas de juros e da dívida interna, com evidentes impactos recessivos.
2) Da mesma forma, existe contradição entre câmbio valorizado e distribuição de renda congelada. Sabemos que câmbio em processo de valorização implica o salário real crescente (lembrar da Argentina) pois barateia os bens "tradeables", importantes no custo de vida da população.
Na realidade, o argumento apresenta além de contradições, alguns equívocos que merecem ser comentados:
1) Não existiu perda efetiva de salários. Segundo os dados da Fiesp, quando comparamos os salários de maio (último dado disponível nas estatísticas da federação) com os de fevereiro, temos um ganho real da ordem de 13% (deflator Fipe). Contra a média novembro/fevereiro o ganho é de 9,9%.
Da mesma forma, pelas informações da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), a comparação, no mesmo período, mostra um incremento real da ordem de 16% (deflator INPC).
Estes ganhos são folgadamente superiores à "inflação" em URV do período março-junho, estimada em 6% pelo INPC. Em outras palavras, a fase dois do plano, ao garantir a correção plena dos salários pela inflação passada, liberou os esforços para negociação de ganhos reais, resultando nos números atrás descritos.
Além disso temos que o imposto inflacionário –isto é, o que o salário perdia por não ter proteção contra a inflação– que deixou de ser arrecadado induz a ganhos de salário real. Segundo nossos exercícios este ganho é de 6% sobre a massa salarial e de até 12% sobre os salários mais baixos.
Não procede pois o velho argumento das perdas salariais na entrada do plano. Ao contrário, as categorias organizadas entraram em julho com ganhos apreciáveis.
2) Quanto ao câmbio e sua valorização efetiva gostaríamos de argumentar que o setor exportador entra no plano bem posicionado. Contribuem para isto a expressiva valorização de nossas principais commodities no exterior; a queda do dólar frente à cesta de moedas européia mais japonesa que favorece as vendas brasileiras para a CEE (Comunidade Econômica Européia) e Japão; os expressivos ganhos de produtividade obtidos pela indústria brasileira nos anos 90 (incremento de 35% de 1990 para cá) e os benefícios em juros recebidos a partir da antecipação das vendas ao exterior (ACCs).
Além disso, o volume de comércio exterior brasileiro subiu de patamar e hoje temos mercados que foram conquistados e que deverão permanecer competitivos.
Ao entrar bem posicionado não é difícil para o setor arcar com uma valorização da ordem de 10%, que é o esperado até o final de 1994, especialmente se os custos portuários e de transportes forem reduzidos e o sistema tributário otimizado.
3) Voltemos à questão da distribuição de renda. Não há dúvida que este é um dos pontos críticos do país, mas argumentar que o real a piorou não é verdadeiro. Na medida em que os salários não perderam e que o câmbio se valorizou barateando os bens "tradeables", o plano quanto à distribuição de renda é, no mínimo, neutro ou caminha na direção desejada.
4) Por fim o real não é recessivo, mas sim expansionista como qualquer outro plano ancorado no câmbio. Ganhos reais de salários acrescidos de câmbio fixo e vendas a crédito induzem a um maior consumo, mesmo com juros altos.
A taxa de juros afeta a produção em suas decisões de estoque, mas não a demanda, dado que o consumidor brasileiro não é endividado. O consumidor que compra a crédito olha a sua capacidade mensal de pagamento e não o tamanho do juro. Em termos gerais, renda determina consumo e é a massa de remuneração que determina decisões de consumo.
O conjunto do argumento é equivocado. As ameaças ao plano são as derivadas de seu sucesso, ou seja, o crescimento exagerado do consumo e não, como coloca Aloizio, a desestruturação da estrutura produtiva do país.
JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS, 50, economista, pós-doutorado pela Universidade de Yale (EUA), é professor-assistente da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo) e professor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Foi professor visitante da Universidade de Ohio (EUA) em 1980.

MARIA CRISTINA MENDONÇA DE BARROS, 39, economista, foi consultora no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (1981-82) e economista da Fundação de Desenvolvimento Administrativo (1977-78).

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