São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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As igrejinhas acadêmicas

LUÍS NASSIF

Dentre todas as corporações que seguraram o desenvolvimento do país nas últimas décadas, nenhuma foi mais nefasta que a das igrejinhas acadêmicas –grupos que se aliaram a partidos políticos e passaram a subordinar o discurso econômico a seus interesses mais imediatos.
A grande crise dos anos 80 foi basicamente uma crise de identidade. O velho modelo de desenvolvimento se exauria e perseguiam-se novas saídas, novas maneiras de entender o país. Quanto mais cedo se encontrassem novos caminhos, mais cedo se sairia da crise.
Foi nesses tempos de transição, agravados pelo longo período de ditadura, que os economistas engajados surgiram no bojo da campanha das diretas, passando a monopolizar o mercado das idéias no país –auxiliados por uma imprensa que ainda se impressiona mais com palavras e jogos de cena, do que com resultados.
Desde o fracasso do Cruzado, espíritos mais críticos notavam a impotência da academia em pensar o novo Brasil.
Foram os consultores que chegaram com novas idéias, que, mesmo tratando da realidade das empresas, permitiram uma revisão na maneira de ver o país.
A análise da crise das grandes corporações ajudou a entender melhor a ineficácia intrínseca do centralismo do Estado brasileiro. As propostas de subdivisão das grandes organizações em unidades de negócio menores alertaram para a importância do aprofundamento do federalismo. As idéias de gestão participativa permitiram consolidar a visão da cidadania como elemento fundamental de uma economia moderna.
Salieris
Mas porque a academia e os economistas engajados, logo eles que eram os únicos intelectuais em condições de interferir no processo econômico, por obra e graça de suas ligações políticas, falharam tão bisonhamente no seu diagnóstico e na sua ação?
Como suas formulações tinham como objetivo central produzir o que fosse eleitoralmente mais atraente para os políticos que os apadrinhavam, abriram mão de qualquer obrigação com a ciência, a objetividade e o país. Progressivamente seu discurso foi ficando mais vazio, velho, cacete, sem compromisso com transformações, resultados, mobilizações, mudanças de padrão cultural.
Quase dez anos depois do Cruzado, a discussão econômica entre esses grupos parece briga de Hell's Angels sexagenários, armados de motos barulhentas e antigas.
Para garantir o monopólio das idéias –sem tê-las– passaram a torpedear as novas idéias que surgiam, com o rancor de um Salieri, em um país que dependia de idéias e idéias para amadurecer e vencer a crise.
Só se conseguiu romper com esse oligopólio da mediocridade quando surgiu um presidente que, defeitos à parte, recorreu a técnicos de fora das igrejinhas para montar seu programa de abertura da economia.
Plantando, dá
Nos últimos anos, onde se plantou uma nova idéia, floresceu um país novo, dinâmico, criativo. O que se ganhou dá uma pálida idéia do que se perdeu, do que se está perdendo, enquanto o país é submetido a essa briga de brancos das igrejinhas acadêmicas.
Basta conferir nas edições de domingo dos jornais, o ridículo dos artigos atacando ou defendendo o real. Nas argumentações, não há objetividade, compromisso com resultados, com uma visão estruturante da economia e do país. Apenas um vanilóquio infindável, que impressiona os leigos pela terminologia e os especialistas pelo vazio.
Mas agora é tarde. O país moderno vai cada vez se firmando mais e mais, sendo construído em torno do esforço descentralizado das empresas e dos trabalhadores, da perseguição de objetivos concretos de produtividade e qualidade.
É um processo sem volta que, implantando a modernização, vai empurrar para a mesma lata de lixo da história o coronelato político e as igrejinhas acadêmicas que o sustentaram por tanto tempo.

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