São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Futebol é uma expressão de todos nós

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A discordância do leitor Antonio Henrique Cocenza, no Painel do Leitor de domingo, me dá o mote para algumas reflexões sobre o sentido desse fascinante jogo chamado futebol.
O leitor acha, ao contrário do que escrevi aqui, que o torcedor quer mesmo é gritar "campeão" e não "gol", simplesmente. E que, para atingir esse grito, os meios justificam os fins, embora ressalve que esse princípio não deva valer para a vida, como se o futebol não fosse também uma escola, uma expressão do cotidiano de todos nós, algo muito próximo à cultura (hábitos, costumes) de cada agrupamento de pessoas, que vai desde o perfil do torcedor de um clube até mesmo ao estilo de jogar de cada país.
É bem verdade que não me sinto muito à vontade para falar em nome do torcedor brasileiro. Pois, antes de mais nada, quero declarar que não sou torcedor da equipe que ostenta no peito o escudo da CBF, embora, claro, me identifique como brasileiro com alguns padrões e signos que ela carrega. Um deles é exatamente a rara capacidade de encantar as platéias do mundo todo com um jogo ornado de improvisações e fantasia. O Brasil ganhou fama e respeito por isso, muito antes de ganhar o primeiro Campeonato Mundial.
Aliás, asseguro que sou um péssimo torcedor até mesmo do meu clube de infância –desde sempre–, pois ao contrário de muita gente, não sou daqueles que celebrariam um título conquistado com a mão, aos 46min do segundo tempo, em impedimento. Gosto mesmo é do futebol, do jogo jogado com inteligência, aplicação e arte. Mas não quero entrar nessas filosofices. E, se entrei, me desculpem.
Prefiro entrar no caminho que nos leva direto ao ponto. Afinal, o que quer dizer gol? Sua tradução literal do inglês é meta, objetivo; portanto, este é o sentido, a alma do jogo. Os torneios, campeonatos, disputas organizadas nasceram do jogo em si. A partir daí é que se estabeleceu a convenção de que uma vitória vale dois pontos, o empate um e a derrota nenhum. Desde então, é que a vitória, a soma de pontos ao longo de uma competição, passou a ter um significado maior.
Ora, naqueles tempos, desde o final do século passado até os primórdios dos anos 60, o jogo era risonho e franco. As goleadas eram um lugar-comum. Mas quando as retrancas se sofisticaram, o preparo físico dos jogadores se esmerou e, consequentemente, o campo se reduziu e o marketing da conquista tomou conta do mercado da bola, as "coisa mudarano muito, si mudaram", como diria o comendador Vicente Leporace.
Mas mudaram para pior, como espetáculo, como prazer. E essa não é uma opinião minha. Todas as pessoas com quem tenho conversado, de qualquer nível cultural ou social, sem uma única exceção, repetem o mesmo refrão: foi bom ganhar, mas não satisfez.
Jogar a culpa sobre Parreira tem lá suas justificativas. Afinal, com aqueles mesmos jogadores, naquelas mesmas circunstâncias, ainda assim, dava para oferecer um melhor espetáculo. Mas Parreira jogou a regra do jogo atual e venceu. Logo, palmas para ele.
E se mudarmos, porém, a convenção, que, pelas alterações que o futebol sofreu dentro das quatro linhas, passou a ser anacrônica, ofensiva mesmo ao espírito do jogo, que é o gol? Falo da tal convenção que parte do pressuposto de que o valor é estabelecido pela vitória, empate ou derrota. Se formos buscar na origem, no significado, na essência do jogo a pontuação adequada, não estaremos dando um passo avante, sem perder o contato com a tradição? Que tal um ponto por gol? Pela vitória, um bônus a ser determinado. E ponto final.

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