São Paulo, quarta-feira, 3 de agosto de 1994
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Câmbio

ANTONIO DELFIM NETO

Antonio Delfim Netto
Uma das questões econômicas mais complexas é a da explicação das flutuações da taxa de câmbio.
Do ponto de vista teórico, há uma profusão de modelos supostamente explicativos, nenhum deles empiricamente comprovado.
Não é de estranhar, portanto, que algumas vezes se ouçam arrogantes explicações "ex cathedra", como se fossem do próprio papa falando da cadeira de São Pedro que o faz infalível!
Havia um claro desequilíbrio entre as taxas de juros internas e externas e a taxa de câmbio nominal, refletida na absurda acumulação de reservas de 12,4 bilhões de dólares dos primeiros cinco meses de 1994.
As evidências sobre a taxa de câmbio real (que controla o fluxo de mercadorias e o equilíbrio da demanda global) são mais controvertidas.
De qualquer forma, uma coisa é certa. A nova moeda –o real– não poderia ser introduzida sem uma mudança no mercado cambial.
Pelos dados do Banco Central, as forças expansionistas dos fluxos monetários até 30 de junho foram da ordem de 18,7 trilhões de cruzeiros reais, dos quais 15,5 trilhões (ou seja mais de 80%) derivados da acumulação das reservas.
Se observarmos como foram "financiadas", no primeiro semestre do ano, as forças expansionistas, verificaremos que uma componente irrisória, mas positiva, foi o Tesouro Nacional (8,3 milhões de cruzeiros reais).
Depois tivemos a colocação líquida de 10,1 bilhões de cruzeiros reais de dívida interna e um aumento dos depósitos de renda fixa (1,3 bilhão), largamente compensado por uma redução dos depósitos do FAF (2,4 bilhões).
As contas expansionistas atingiram o montante de 18,7 trilhões de cruzeiros reais e as contracionistas somaram 11,4 trilhões. Como foi "financiada" a diferença? Por uma expansão da base monetária de 7,3 trilhões.
O papel-moeda emitido foi de 5,2 trilhões e as reservas bancárias no BC cresceram 2,1 trilhões.
Como insistimos, desde 1992, a acumulação de reservas internacionais foi mais uma vez a principal responsável pela variação da base (que cresceu 500% no semestre e atingiu uma expansão anual de 4.900%) e pelo aumento do endividamento interno (10,1 trilhões).
É evidente, o Banco Central não poderia entrar no real com a sinistra combinação de política de juros estapafúrdia e câmbio fixo que vinha praticando.
Como os juros (por outros motivos) teriam de permanecer muito altos no início do programa e ir se reduzindo à medida em que a econômica se remonetiza, o BC tinha que manter o controle dessa monetização.
Isso implicava eliminar o setor externo como fonte expansionista. A forma mais "limpa" de fazer isso é introduzir um sistema de câmbio flexível, desde que todas as compras e pagamentos (privadas e governamentais) e todas as vendas e recebimentos (privados e governamentais) sejam feitos no mercado.
A taxa de câmbio nominal continua, obviamente, influenciada pelo diferencial de taxas de juros reais interna e externa.
A taxa de câmbio real, que controla o fluxo de exportações e importações e, através dele, influencia a demanda global, depende da taxa de câmbio nominal e dos preços externos e internos. É ela que estabelece o equilíbrio no mercado de bens e serviços.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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