São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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Profissão: Amador

CARLOS SARLI

Chegando para uma visita a uma das grandes marcas da surfwear, deparei com dois senhores devidamente trajados esperando na recepção para serem atendidos.
Um deles, aparentando pouco mais de 40 anos, de blazer de lã apesar do calor, com pinta de empresário e, ao seu lado, de tênis, shorts e camiseta, seu acompanhante com não mais de 14 anos de idade.
Mais tarde, vim a saber se tratar de pai procurando negociar patrocínio para seu filho surfista.
O esporte, desde a Grécia antiga, sempre se caracterizou pela ambiguidade entre a prática desinteressada e o exercício como trabalho.
Hoje, na sociedade de consumo, esse processo está cada vez mais complexo.
Jovens de 13, 14 anos de idade começam a se dar bem nos campeonatos, vão atrás de patrocinadores e começam as exigências –que podem variar de simples pagamentos de inscrições em eventos até polpudos salários.
Em alguns casos se compreende essa reivindicação por se tratar de adolescentes de origem pobre e famílias necessitadas.
Certos exemplos contribuem para essas investidas. Casos como o dos campeões brasileiros Tinguinha Lima e Jojó de Olivença são um incentivo para muitos pretendentes.
Mas existem outros jovens atletas de classe média e até ricos que de forma oportunista acabam por se transformar em interesseiros.
Faz parte do processo de descoberta de talentos investir na semente para mais tarde colher os frutos.
Luiz Henrique, técnico da equipe Quiksilver, costuma oferecer para seus atletas menos abastados cestas básicas e outros tipos de incentivo material.
Para os de melhor condição social, um bom curso de inglês tem funcionado como remuneração.
O shaper e técnico Avelino Bastos trabalhou durante anos no amadurecimento técnico e físico de Teco Padaratz. Valeu a pena.
Hoje, Teco disputa com os melhores do mundo e já se preparou para uma aposentadoria tranquila.
O mesmo trabalho vem sendo feito com seu irmão mais novo, Neco.
Conheço pais, no entanto, que acabaram se tornando agentes dos próprios filhos mal saídos da infância. Empolgados, acabam desvirtuando a trajetória de seus agenciados através da exploração exagerada.
Não raro, o que antes era feito com prazer, se torna um peso para o garoto, comprometendo sua carreira.
Não distinguir o prazer do esporte de uma profissão pode até significar o abandono da escola e o sacrifício de uma fase de desenvolvimento natural da personalidade para o adolescente.
O amadorismo, respeitando a vocação do corpo, é uma fase ou uma opção que precisa ser profundamente respeitada, sob pena de negar o destino do próprio esporte.

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