São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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França arrisca lei higiênica nociva à saúde

DAVID DREW ZINGG

Em São PauloOld War Correspondent Dave está de volta da Guerra das Bolas –bolas de futebol, quero dizer.
Aprendemos, viajando. Por exemplo, descobri que acompanhar os jogos da Copa do Mundo pode ser um pouco enervante. Você rola para fora do saco de dormir às cinco para enviar seu texto vital à Folha, que está cinco horas adiante de seu fuso horário. Depois, naturalmente, faz uma ceia às duas da manhã à base de dois Gibson muito restaurativos, muito secos. Com um regime diário desse tipo, você acaba por se transformar num repórter muito cansado. Curioso.
Aqui vão algumas coisas mais que observei sobre viajar para um jornal:
Quando fizer as malas, seja lógico. Você não precisa de um fraque para andar de canoa. Você não precisa de botas de andarilho para ir a Venice Beach.
A maneira mais rápida de chegar ao aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, é de qualquer outra cidade.
Isso é apenas uma observação, mas os carregadores costumam jogar malas atapetadas com mais força –e não as apanham.
Se você não é uma pessoa do tipo "Oi", usar um walkman e óculos escuros durante a primeira meia hora de vôo vai intimidar seu vizinho de assento. Para ter certeza, carregue qualquer livro de ou sobre Siggy Freud.
Sentado ao lado de uma criancinha barulhenta? Ao primeiro sinal de problema incline-se e dê ao fedelho detestável um aviso de que ele está em perigo de vida. Lembre-se: ele não pagou passagem.
O álcool é o melhor amigo do "jet lag".
Se o sujeito da alfândega revistar suas coisas e não encontrar nada, ele tem que refazer as malas do jeito que estavam. A vingança é doce.
REGRA DE VIAGEM nº 1: Ninguém mais tem toalhas que valham a pena roubar.
Uma bíblia "cool"!
A bíblia agora é mesmo "cool", cara.
Se você pensa que isso é quase uma blasfêmia, prepare-se para uma carga de estranha literatura religiosa (?). Você pode começar com uma nova versão do Grande Livro saída na Gringolândia, chamada "Black Bible Chronicles". A melhor maneira de estudar esse novo caminho para o paraíso é colocar um disco dos "Bad Boys" e estudar um idioma chamado hip hop –ou rap.
Aqui, para os meus leitores que podem estar se sentindo um pouco fora de contato com o que há de mais "in" na religião recente, está a última versão dos Dez Mandamentos em hip hop.
1. "Não coloque ninguém adiante de mim."
2. "Não faça objetos ou coisas entalhadas que pareçam com aquilo que está no céu ou abaixo, e nunca se curve frente a essas coisas como se fosse demais."
3. "Você não deve usar o nome do Todo Poderoso, misturá-la a palavras feias ou usá-lo num rap. Não é "cool". E a vingança, cara, é animal.".
4. "Lembre-se do dia do Todo Poderoso, que é o sétimo dia. Depois que você tiver trabalhado seis dias, dê o sétimo a Ele."
5. "Você não devia pegar coisas dos seus garotos."
6. "Honre papai e mamãe e viverá muito."
7. "Não desperdice nenhum neguinho."
8. "Não se meta com o garotão ou garotona dos outros."
9. "Não saia por aí contando mentiras pro seu pessoal."
10. "Não queira o que não pode ter, ou o que seus manos têm. Não é 'cool'."
Ouvindo vozes
A percepção extra-sensorial tem limites? Um jogador em Las Vegas ouviu uma vozinha em sua cabeça que lhe disse para apostar US$ 100 no número sete da roleta. Apostou, e ganhou US$ 3.000.
Então a voz disse: "Aposte US$ 100 no número seis". O jogador ganhou mais US$ 3.000. Na terceira vez, a voz disse: "Aposte US$ 100 no número dez". O nosso homem ganhou mais US$ 3.000.
"Agora, aposte tudo no número cinco", disse a voz em sua cabeça.
O jogador, sabendo que ganharia mais de US$ 250 mil, fez o que a voz ordenou. A roleta girou, e ele perdeu.
"Droga", disse a voz em sua cabeça.
Conserve-o limpo
O Brasil deve muito à França, e o Tio Dave também. Uma lista das coisas boas começa com o conceito moderno da liberdade, lições sobre como fazer amor e queijo Pont L'Eveque.
O mundo não é justo, porém, e os franceses nem sempre acertam. Até pouco tempo atrás, as escotilhas em seus submarinos giravam todas para o lado errado. Isso era muito sério, mas agora eles estão tentando purificar o idioma.
O Parlamento francês proibiu o uso de 3.500 palavras estrangeiras, incluindo "cheeseburger", "chewing gum"'e "bulldozer", por escolas, governos, corporações e anunciantes. Old Gringo Dave levou um direto no nariz. A maior parte das palavras emprestadas do estrangeiro são em inglês. Sob a nova lei, as crianças vão colocar "gomme à macher" em suas bocas. Os planejadores das companhias usarão "mercatique", não marketing. Os usuários de computadores usarão "logiciels" em lugar de software.
O "hamburger" está OK (vem do nome de uma cidade da Alemanha), mas o McDonald's terá de encontrar um novo nome para o seu sanduíche de carne moída coberta de "fromage".
"Cool" e "on line" também estão proibidas. Campanhas do governo estão instando os franceses a evitar palavras como "snack bar", "weekend" e "jogging".
Há muita gente zombando da legislação. Um parlamentar britânico disse que apresentaria um projeto de lei para banir "ambiance" e "soixante-neuf" da língua inglesa.
Purificar o idioma é uma idéia maluca. Do jeito que as coisas vão, é difícil usar uma palavra que não seja ofensiva para alguém, em algum lugar.
A idéia francesa é uma censura intelectual, evidentemente. A nova lei teria feito Adolf Hitler dançar de alegria. Controlar pensamentos deixa governos e o pessoal de relações públicas delirantemente felizes. Isso parece levar àquele ideal burocrático, o mundo perfeito, controlável.
É a forma verbal de um conto de Kurt Vonnegut. Ele escreveu sobre um mundo idealmente controlado onde todas as pessoas estavam niveladas por baixo, em igualdade negativa.
No pesadelo de Vonnegut, as pessoas bonitas tinham que usar máscaras, as pessoas graciosas arrastavam grandes pesos para dificultar seu movimento, as pessoas inteligentes eram obrigadas a carregar sinos que soavam a cada minuto, fazendo-as perder o rastro de seus pensamentos.
Oh, o horror...
Old Geriatric Dave teve um pesadelo uma noite dessas, e não preciso de suas análises inteligentes, Joãozinho.
No meu sonho horrível eu estava sentado sozinho numa rua escura, soluçando. Um estranho se aproximou e perguntou: "O que há de errado?"
Entre soluços, expliquei: "Tenho uma linda esposa de 20 anos de idade que prepara refeições dignas de um gourmet, me trata maravilhosamente, faz massagens e me usa constantemente como objeto de prazer".
"Mas isso parece maravilhoso", disse o estranho. "Por que você está tão deprimido?"
"Porque", respondi, "não consigo lembrar onde moro".
Tradução de Paulo Migliacci

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