São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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Vendem-se candidatos

OTÁVIO FRIAS FILHO

Otavio Frias Filho
Com o início da campanha eleitoral propriamente dita, está de volta o conhecido coro de vozes inflamadas, apelos patéticos, promessas delirantes. Só mudam os personagens, se é que mudam, pois nada mais parecido com um político do que outro político.
O programa obrigatório no rádio e na televisão é uma violência contra o direito de escolha. Sempre foi ruim e desta vez parece que será intolerável, graças às restrições impostas pela Lei Serra, que o transformaram outra vez num desfile de figurantes, cada um mais folclórico que o outro.
Por causa de conexões propiciadas, dizem, por seu primeiro casamento, Collor incorporou uma série de tendências internacionais e se fez o intérprete local, o "cavalo" como se diz no candomblé, delas. Na muamba ideológica que ele importou havia modas idiotas, mas também algumas percepções profundas.
Uma delas é a percepção de que a política é cada vez mais um ramo da publicidade. Foi-se o tempo em que programas e candidatos se produziam espontaneamente. O que prevalece é o caminho inverso: primeiro se estudam as "necessidades" do eleitor para depois colocar no mercado eleitoral o programa que melhor se ajuste a elas.
E a única importância do programa é permitir ao candidato anunciar: "Vejam, sou sério, tenho um programa". Na realidade, não se trata de programas, idéias ou propostas, mas tão-somente de imagens. Não sei se isso é bom ou mau, mas sei que é inevitável.
Diga-se de passagem que a consciência de Collor sobre esse fenômeno era aguda a ponto de ele ter sido um governante de imagens, que mesmo no poder sabia que a política é muito mais manipulação de símbolos do que de realidades.
Em termos reais um presidente da República administra alguns andares do seu palácio e olhe lá. O restante de seus esforços tende a se perder na imensidão da máquina, do país. Mas em termos de imagens sua ação pode comover, entusiasmar, indicar rumos, até porque nesse plano ela é uniforme e simultânea: todos a vêem.
Por que a política foi invadida pela publicidade? Porque isso está ocorrendo em todas as frentes, até mesmo em áreas até há pouco indevassáveis, como o campo religioso ou afetivo. Um número cada vez maior de coisas se torna mercadoria e passa a obedecer às leis do mercado.
No centro desse fenômeno, na publicidade comercial, já existe uma saturação. Sabemos que toda propaganda é por definição enganosa. Para quebrar a resistência gerada por essa constatação o recurso é o humor, e assim todo anúncio hoje em dia se baseia em algum tipo de trocadilho.
Por meio do humor os publicitários hostilizam, inconscientemente, o produto que vendem. Ainda não chegamos a esse ponto na política e o horário eleitoral está a anos-luz desta discussão. Mas que é ridículo, é.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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