São Paulo, quinta-feira, 4 de agosto de 1994
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Pressão crescente, recursos em declínio

HENRIQUE SANTILLO

O debate que vem se travando através dos meios de comunicação sobre os gastos em saúde no país tem esquecido dados fundamentais para a compreensão mais abrangente do problema. Um deles, sem dúvida, é a questão da absorção das atividades do antigo Inamps, sem a correspondente fonte de custeio dos serviços médico-hospitalares.
Com o decreto que transferiu o Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) do Ministério da Previdência para o Ministério da Saúde, no final do governo Sarney, esta última pasta passou a ter a sua clientela sensivelmente aumentada. Hoje, são 110 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente da assistência prestada pelo Sistema Único de Saúde, sem qualquer acesso aos serviços particulares.
Para financiar esse aumento brutal da despesa, o Ministério da Saúde deveria receber repasse do Ministério da Previdência, da fonte "contribuições de empregadores e trabalhadores para a seguridade social", o que não vem acontecendo.
Aliado a este fato, temos o inquestionável declínio dos investimentos em saúde no Brasil. O orçamento do setor para este ano está estimado em US$ 11,4 bilhões, enquanto que o de 1990 foi de US$ 13,7 bilhões de dólares.
Em termos de investimento "per capita", recente estudo divulgado pela Organização Mundial de Saúde mostra uma queda de 10%, comparando os US$ 63,4 de 1990 com os US$ 58 de 1993.
Temos, portanto, aumento de clientela, queda de investimentos e quebra de repasse para financiar o atendimento a esta clientela. A quase totalidade dos recursos recebidos pelo Ministério da Saúde, então, está sendo utilizada para efetuar o pagamento a médicos e hospitais que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde.
Por outro lado, experimentamos um inquietante aumento de demanda nos serviços públicos de saúde, cujas causas vão desde a crise econômica, passando pela volta de endemias há cem anos erradicadas, como o cólera, até o atendimento dos segurados em planos privados de saúde nas emergências dos hospitais.
Este é o quadro dramático da saúde pública no Brasil. Sem esquecer de buscar recursos e usar a criatividade para desenvolver programas voltados para a medicina preventiva –podemos citar os agentes comunitários de saúde, que levam conhecimentos básicos a populações de regiões extremamente carentes; a interiorização da medicina, fixando profissionais de saúde onde antes não existiam; o médico da família; o incremento das vacinações; os ambulatórios de alta resolução; o combate às endemias; as inversões em saneamento; o programa "Leite é Saúde"– sentimos, contudo, a necessidade de sanear a medicina curativa, cujas atividades, há muitos anos, estavam sendo alvo de fraudes e deturpações.
A nossa idéia era, e é, poupar recursos na assistência médico-hospitalar, via racionalização dos gastos, para empregar o excedente em programas preventivos.
Digo, hoje, com orgulho, que o Ministério da Saúde está economizando, todos os meses, US$ 5,6 milhões, apenas com o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle sobre o Sistema Único de Saúde.
Isto está sendo possível graças à implantação das críticas sobre as contas dos prestadores de serviços, que consistem basicamente em cruzar informações sobre volume e capacidade de atendimento de clínicas, hospitais e ambulatórios. A crítica e o recadastramento de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) em todo o país, por exemplo, vem evitando o desperdício de US$ 2,4 milhões ao mês.
Outros US$ 2,4 milhões estão sendo poupados todos os meses com a rejeição mensal de 4.856 autorizações de internações para cirurgias múltiplas. Quanto às internações psiquiátricas, o Ministério da Saúde está economizando US$ 700 mil mensais, e outros US$ 108 mil/mês com procedimentos especiais.
Além disso, economizamos, no primeiro semestre deste ano, mais US$ 125 milhões a partir de estudo sobre distribuição de autorizações de internações hospitalares, que resultou no enxugamento de 875 mil autorizações no período.
Não posso também deixar de citar a instituição do Sistema Nacional de Auditoria, que já fiscalizou 1.000 hospitais públicos, privados e filantrópicos em todos os Estados da Federação, cujo decreto foi assinado pelo presidente Itamar Franco no dia 6 de abril último, por nossa sugestão.
Os auditores estão agora inspecionando os outros 5.134 estabelecimentos credenciados pelo SUS em todo o país.
Quero, aqui, chamar a atenção para um fato. O relatório preliminar da auditoria nos 1.000 hospitais chegou a uma média de 28% de autorizações para internações hospitalares tidas como irregulares. Mas essas irregularidades vão desde as fraudes até o preenchimento incorreto de guias. Vemos, assim, que nem tudo é fraude no SUS. Faço esse adendo por um dever de justiça com aqueles que agem com correção.
Muitas outras providências para um maior controle do sistema foram adotadas, mas acredito que as que foram aqui expostas são suficientes para demonstrar que o Brasil, ainda longe de resolver seus problemas de saúde, já está utilizando bem os poucos recursos destinados ao setor.

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