São Paulo, sexta-feira, 5 de agosto de 1994
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A trama suja

SÍLVIO LANCELLOTTI

A Fifa já marcou para o dia 23 de agosto o julgamento do craque argentino Maradona, acusado de se dopar às vésperas da peleja entre a sua seleção e a equipe da Nigéria, pela fase de classificação da Copa dos EUA. Da América, na data da imputação do "Pibe de Oro", remeti um longo texto denunciando o enredamento de Maradona numa trama suja, que envolvia desde uma empresa patrocinadora do Mundial até a incompetência dos médicos e dos cartolas da delegação da Argentina.
Maradona, então, prometeu revelar todos os meandros da safadeza quando o torneio se encerrasse. Fora traído. Não conteria a sua explosão. Apenas queria, porém, preservar os seus companheiros de um escândalo fatal. Pobre Maradona. Calado, engoliu sozinho mais uma humilhação da Fifa e nem por isso a sua Argentina sobreviveu no Mundial.
Rapidamente, eu resumo o entrevero. Cerca de 18 meses atrás, enorme de gordo e sem vontade de voltar aos campos, desgastadíssimo por dois episódios de envolvimento com cocaína, Diego recebeu, em Buenos Aires, a visita de emissários de um dos "sponsors" do Mundial. Em troca do seu emagrecimento e do seu retorno à seleção, Maradona seria, digamos, protegido de ulteriores confusões. Afinal, para queimar quase 14 quilos de peso, o "Pibe" certamente necessitaria ingerir vários medicamentos com substâncias proibidas pelos regulamentos do esporte.
Maradona aceitou o acordo, sem se documentar, porém. Pior, a delegação da Argentina, pateticamente, não transmitiu à Fifa a relação dos medicamentos tomados pelo craque. Aos 85 minutos do prélio, quando o mister Alfio Basile comunicou ao "Pibe" que ele fora sorteado para os exames anti-doping, Maradona recebeu a profundidade da punhalada e pediu a sua substituição. Daí, para livrar a sua face, num arreglo lastimável, Júlio Grondona, o presidente da federação da Argentina, através de um subalterno, determinou o desligamento do capitão – antes mesmo da divulgação do resultado dos exames. Maradona acabou guilhotinado sem defesa.
Eu continuo na perseguição dos meandros ainda obscuros desse enredo patético. Permanece na minha memória uma frase de Dieguito, desesperado, a jurar pelas duas filhas que não havia se drogado. De fato, na ocasião, até mesmo Vincenzo Pincolini, o rigoroso preparador atlético do time da Itália, ironizou a acusação: "Essa história me faz rir. A efedrina não constitui uma estratégia de dopping. Ninguém ingere efedrina para melhorar a sua performance no futebol". Enquanto investigo, só me resta esperar da Fifa, sogra do sr. Ricardo Teixeira, cidadão infinitamente menos importante na história do esporte do que as bambinas de Maradona, a única atitude digna e correta: poupar o "Pibe" da imolação, imerecidíssima.

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