São Paulo, sábado, 6 de agosto de 1994
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Paraíso dos corruptos

ANTONIO C. N. NASSIF

Debaixo de uma casa sem teto ou de um viaduto, dentro de roupas sujas, rasgadas ou maltrapilhas, está um ser humano que não tem culpa de ser pobre ou miserável.
A falência do sistema público de saúde é um fato quase consumado. A incompetência gerencial, os interesses pessoais ou político-partidários de muitos dos que comandaram as ações e serviços de saúde neste país foram responsáveis pelo caos que estamos vivendo. A prevaricação no exercício de cargos importantes na área da saúde foi uma constante.
Infelizmente, a Justiça resumiu-se em dar apenas "algumas palmadas" nos culpados, sem deixar marcas. Eles estão a solta, esperando, quem sabe, novas oportunidades.
Mas como dizia Assis Chateaubriand: "Chegará o tempo em que será inconcebível haver existido uma ordem social em que um homem desfrutava de uma renda de milhões e um outro não tinha o que jantar".
Afinal, são 60 milhões de brasileiros que dependem exclusivamente dos serviços públicos de saúde. Desses, 30 milhões são absolutamente miseráveis, sem nenhum recurso, abandonados à própria sorte. Eles não têm culpa de viver num país onde a saúde não é prioridade de governo.
Prefere-se definir como tal a construção do metrô de Brasília ou da Linha Vermelha no Rio e assim canalizarem-se milhões de dólares para sua execução. A saúde que espere sua vez.
Assistimos a tudo passivamente, esquecendo que somos todos responsáveis. Não participamos nem ajudamos a encontrar soluções que reconheçam o direito de todos à cidadania.
A qualidade mínima necessária para o atendimento à população mais carente precisa ser resgatada. Da mesma forma, há que se reduzir o índice de mortalidade infantil, melhorar a alimentação, a moradia, o saneamento básico e o ambiente de trabalho. Sustar a construção de novos hospitais e recuperar a rede já existente é também uma necessidade inquestionável.
É preciso sair deste caos sem precedentes, sem perspectivas, sem luz no fim do túnel, pois, de certa forma, já estamos diante de uma realidade trágica e desumana na área da saúde: quem tem dinheiro consegue atendimento médico-hospitalar e se trata; quem não tem, não consegue e pode morrer.
O Brasil carece de uma política de saúde real e verdadeira, vacinada contra as ingerências político-partidárias, alimentada com recursos e, principalmente, com a criatividade daqueles que dirigirem o setor. "Saúde é problema de uma nação", dizia o presidente Kennedy. No Brasil, parece que não é.

ANTONIO CELSO NUNES NASSIF, 60, médico otorrinolaringologista, é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Foi presidente da Associação Médica Brasileira (1987-91).

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