São Paulo, sábado, 6 de agosto de 1994
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Esqueça-nos, general

Luiz Caversan

LUIZ CAVERSAN
RIO DE JANEIRO

Pouco antes de deixar o cargo que não lhe pertencia, já lá se vão quase dez anos (foi em 85), o general João Baptista Figueiredo, o último presidente do ciclo militar, disse uma frase que ficou para a história: "Quero que me esqueçam".
A declaração resumia toda a inapetência do general com o comando de uma nação. Ele nunca gostou de ser presidente e isto ficava claro em cada ato ou declaração sua. Até nesta última, porque qualquer presidente que se preze irá sempre querer ser lembrado pelos benefícios que eventualmente proporcionou ao seu país e a seus concidadãos.
Pois bem, passados quase dez anos, evoco aqui a condição de cidadão que teve de engolir todos os 21 anos de regime militar para solicitar: general, quero que o senhor nos esqueça.
A solicitação, que poderia ser perfeitamente dispensável, vem a propósito do retorno do militar aposentado à mídia, agora posando de cabo eleitoral do também militar aposentado Newton Cruz, candidato ao governo do Rio (leia mais a respeito no caderno Supereleição).
Ontem no Rio, Figueiredo retomou sua idéia fixa de que se aproxima uma "pororoca social", conturbação incontrolável que irá conduzir o país ao caos.
Ora, o que de mais conturbador ocorreu na história deste país –isto sim digno de ser comparado à convulsão das águas na foz do rio Amazonas– senão o movimento patrocinado por Figueiredo, Cruz e seus pares a partir de 1964? Pouca, muito pouca coisa causou tanto mal.
Suspensão dos direitos civis, fechamento do Congresso, censura, violência, tortura e morte. Quem viveu sabe que estes foram os argumentos com que os militares contemplavam todos aqueles de quem discordavam; aos que não se submetiam.
Agora volta Figueiredo com sua pororoca e seu discurso apocalíptico.
Nada que interesse à democracia e à liberdade que o país vive hoje.
Portanto, general, nos esqueça e desfrute sua aposentadoria.

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